Topo

Samba do Recife é homenageado no Carnaval, mas ainda espera valorização

Desfile da Gigante do Samba, em 2018 - Leo Motta/PCR
Desfile da Gigante do Samba, em 2018 Imagem: Leo Motta/PCR

Mateus Araújo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

19/02/2019 18h31

O Carnaval do Recife deste ano presta homenagem ao samba. Dois artistas locais, Gerlane Lops e Belo Xis, foram escolhidos pela prefeitura da cidade para serem celebrados pela festa na capital. Embora seja uma tradição da terra do frevo pouco conhecida nacionalmente, o samba faz parte da cultura recifense, sobretudo como uma expressão popular dos bairros da periferia. 

Para Gerlane, essa homenagem é "um olhar delicado sobre o samba pernambucano". "Na verdade, sou apenas um personagem de um filme antigo e lindo chamado 'o samba em Pernambuco'. Tem pessoas que vivem no samba há mais de 50 anos. É um samba de resistência que precisava de um espaço como esse. É só apenas mais um degrau num processo de valorização", afirma a cantora. 

Gerlane Lops tem uma carreira de 27 anos e, há 7 anos, promove uma roda de samba dentro da sede do Galo da Madrugada, na região central do Recife. "Veja que interessante: durante o ano, a sede do Galo abre as portas para minha roda de samba. E fazer isso o ano inteiro é fundamental. Já recebi quase todos os artistas locais como convidados e ainda trouxe nomes nacionais, como Zélia Duncan, Mariene de Castro e Luiza Possi." 

Fazer samba no Recife é também resistência contra o machismo, diz a cantora. "Eu estou à frente de uma orquestra de samba com mais de 20 homens. Imagine o que eu enfrento com o preconceito. E como consigo transformar? Mostro meu trabalho, mostro resultado. É trabalhando, é fazendo, é estudando que a mulher mostra sua força."

O cantor Xico de Assis - Roberta Guimarães/Secult-PE - Roberta Guimarães/Secult-PE
O cantor Xico de Assis
Imagem: Roberta Guimarães/Secult-PE
Dificuldades

Apesar da homenagem no Carnaval, viver do samba no Recife não é fácil, dizem artistas e carnavalescos que se dedicam ao ritmo. "Acho uma contradição", diz Xico de Assis, um dos mais conhecidos sambistas da capital, com 25 anos de carreira. Grupos e artistas ligados à cultura popular passam por problemas longe dos holofotes. "Não adianta só dar essa visibilidade num período passageiro. Precisa incentivar ações, como um festival de samba, que lançaria novos compositores, novos intérpretes. O samba daqui é muito mambembe, as casas não sobrevivem."

Por outro lado, porém, ele acredita que a homenagem em um evento da dimensão do Carnaval lança luz sobre a história do samba pernambucano, evidenciando artistas locais e compositores desconhecidos. Há dois anos, ele realiza uma roda de samba em um bar no centro da cidade, sempre com casa lotada. "A casa só, não. A calçada também enche. E isso é todo sábado. Não posso dizer que não tem espaço para samba no Recife", frisa.

No repertório dele estão sambas e chorinhos -com composições de nomes conhecidos nacionalmente, como Dorival Caymmi, Cartola, Clara Nunes e Clementina de Jesus, mescladas com as de autores locais, desconhecidos do grande público. Entre os letristas pernambucanos, Assis destaca quatro principais nomes, indispensáveis nos shows dele.

"Canto Dona Selma do Samba, que mexe principalmente em temáticas afro, os orixás; tem Paulo Perdigão, que faz um trabalho mais bairristas, numa cadência mais ligada a Bezerra da Silva; Rui Ribeiro, com samba de amor, sofisticado, que lembra João Nogueira; e Manezinho de Gigante, algo mais ligado a Cartola, que vai na dor e fala de sentimento." 

Nas quadras das escolas de samba recifenses, a luta é grande para conseguir levar à rua os desfiles. "A gente tá tentando fazer samba na terra do frevo. É complicado", afirma a madrinha da Gigante do Samba, Luciane Santos. Faltam recursos para os carnavalescos, que recebem apenas R$ 16 mil da prefeitura da cidade como subvenção, divididos em duas parcelas -o que é pouco para colocar mais de 200 integrantes na passarela. Razão, aliás, que fez agremiações desistirem de sair neste ano, como é o caso da Unidos do Escailabe, fundada em 2008.

"Neste ano, já gastei, até agora, R$ 3.500, que são 50% da fantasia. A escola paga o restante", conta Luciane Santos. "Peguei dinheiro do meu PIS, das férias e do 13º, para cobrir o gasto. Vou usar pedraria de vidro, que mandei buscar no Rio de Janeiro. É caro, mas pelo amor à escola vale." 

Mas a madrinha da Gigante do Samba vê com esperança a homenagem ao gênero musical. "Como se trata do samba e de artistas da terra, as pessoas se mobilizam mais para dar mais atenção. Isso vai fazer aparecer mais samba, escola de samba e bloco de samba", acredita. "Mas espero que agora eles pensem em criar espaços como tem as escola de frevo. Outra ideia é fazer parcerias nas quadras para criança carente. Era bom para a gente passar o pouco que sabe a quem não sabe."

Recife e Olinda