"Pai dos gigantes", artista já espalhou mais de 1300 bonecos no Carnaval
A casa de fachada estreita na Rua do Amparo, coração do Sítio Histórico de Olinda, vive lotada de gigantes o ano inteiro. Durante o Carnaval, o movimento entra pela madrugada, não há expediente fixo. É dali, moradia e ateliê do artista plástico Silvio Botelho, que saem os bonecos que enfeitam as ruas de Olinda a cada Carnaval. Pelas contas do criador, mais de 1.300 já foram esculpidos por ele, que iniciou o ofício há 45 anos. Este ano 15 novos bonecos estarão nas ruas. "Carnaval é essencial pra mim", resume Silvio Botelho. "Uma função vital do corpo que carrega a bateria para o ano todo", define.
Desde 1981, Silvio Botelho, 62 anos, recebe uma visita ilustre em sua casa: o Homem da Meia-Noite, símbolo do bloco que desfila em Olinda nos primeiros instantes de cada domingo carnavalesco. Surgido em 1931, o Clube de Alegoria e Crítica O Homem da Meia-Noite desfila com o mais antigo gigante do Carnaval de Olinda. Por sua ligação com o candomblé, não deve ser chamado de boneco - é calunga. "É uma figura mística e poderosa, filho de Iemanjá", diz Silvio.
O mais famoso gigante de Pernambuco vai ao ateliê dar uma espécie de tapa no visual. Apesar de não ter criado o calunga, Silvio é responsável pela restauração anual pela qual o gigante precisa passar: cuida das marcas deixadas pela folia do ano anterior, ajusta cores e brilhos. "Não é todo mundo que pode tocar nele", explica o artista. "Eu sou do axé, ele também. Ainda bem que casou."
Também coube a Botelho a tarefa de deixá-lo mais leve, facilitando o trabalho de quem carrega o Homem da Meia-Noite no sobe e desce das ladeiras olindenses. "Consegui baixar oito quilos do calunga", revela. Com as roupas e a cartola, a figura vestida de verde e branco vai hoje às ruas pesando perto dos 50 quilos. "Silvio é um artista incrível, uma pessoa extremamente correta no que faz", assevera Luiz Adolpho, presidente do Homem da Meia-Noite. "É o verdadeiro pai dos bonecos gigantes, alguém merecedor de todo o sucesso que tem."
Encontro
Há 32 anos, a apoteose da arte bonequeira que leva a marca de Silvio Botelho acontece a cada Terça-Feira Gorda, quando a maioria de suas criaturas se reúne no Largo do Guadalupe, outro ponto da cidade antiga, para participarem do Encontro de Bonecos Gigantes. "Vê-los desfilando no encontro é a minha maior alegria", confirma do criador.
Neste Carnaval de 2019, Silvio quer levar um cortejo com 300 pessoas: músicos de quatro orquestras de frevo, 50 passistas, coordenadores e pessoal de apoio das alas, 35 caboclos de lança - personagens do maracatu rural que exibem golas bordadas com lantejoulas coloridas e lanças cheias de fitas. E claro, pelo menos 50 bonecos criados por ele.
Botar os bonecos na rua, reunidos e enfileirados, é tarefa de suor e amor. "No barato, o desfile custa R$ 80 mil. É uma luta incessante para levar todo mundo pra rua. A gente busca apoios até o último instante antes do desfile", garante Silvio. "O que a prefeitura passou este ano é muito pouco; o valor do desfile é muito alto. E não existe Carnaval fiado. Acabou o desfile tem que pagar ao povo."
Sem Bolsonaro
Anunciado em novembro como nova atração do Carnaval pernambucano, o boneco do presidente Jair Bolsonaro não entra no cortejo de Silvio Botelho. "Não concordo. Politicagem e política não são metas do meu trabalho, estou fora. O meu compromisso é com o povo e com a cultura", afirma Silvio, que revela ter admiração pelo ex-governador Miguel Arraes. O boneco de Bolsonaro foi anunciado pelo grupo que mantém, no Recife, a Embaixada dos Bonecos Gigantes e não tem qualquer relação com as criações de Botelho.
Das mãos do artista olindense nasceram bonecos como o do escritor e sociólogo Gilberto Freyre e de muitos outros nomes ligados à cultura pernambucana: os cantores cantor Luiz Gonzaga e Elba Ramalho, a cirandeira Lia de Itamaracá, o compositor Capiba (Lourenço da Fonseca Barbosa). "Faço boneco pra cultura popular, pra alegria de um povo", diz.
E alerta: "não faço cópias, faço bonecos". O futuro grandalhão começa a ser criado a partir de fotos do homenageado, de frente e de perfil. Depois, a cabeça é moldada num bloco de isopor. Chegam a pesar entre 12 e 13 quilos, e medem entre 3, 4 metros.
O trabalho dura o ano inteiro: Silvio já fez bonecos para casamentos e enterros, feiras, comícios, festas variadas. Mas o serviço aumenta muito, diz o artesão, a partir de setembro, quando o Carnaval já avisa que vai chegar. "O Carnaval é uma safra. A gente planta pra colher depois. E Carnaval é também a minha vida."
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