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Reportagem

Cid minimizou atuação de militares em golpe e depois foi mudando versões

No primeiro depoimento prestado em sua delação premiada à Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Cid tentou minimizar o risco de um golpe de Estado se concretizar e disse que a atuação dos militares para isso se resumia a "conversas de WhatsApp", sem nenhum plano concreto. Também disse que o general Braga Netto não estava no grupo de "radicais".

O vídeo do depoimento de duas horas, realizado em 28 de agosto de 2023, deixa evidentes as lacunas em sua primeira versão.

Ao longo da investigação, a Polícia Federal encontrou indícios de um grupo organizado de militares das Forças Especiais, os "kids pretos", sob o comando de Braga Netto, para levar adiante um plano de golpe, inclusive com documentos descrevendo um planejamento de ação e um futuro gabinete de crise para tomar o poder.

Só nos últimos depoimentos é que Cid confirmou a atuação desses militares das Forças Especiais e até mesmo o financiamento em dinheiro vivo para a atuação deles.

No primeiro depoimento, ao narrar à PF que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu uma minuta golpista e discutiu o documento com os comandantes das Forças Armadas, Cid diversas vezes ressalta que gostaria de falar sua opinião sobre os fatos relatados.

Agora não é fato, é um pouco a minha opinião. Primeiro, em 64, se você fala de golpe de Estado, você tinha... tanto que o golpe militar foi no final. Você tinha apoio do Congresso, você tinha apoio do Supremo, você tinha apoio internacional, tava no meio da Guerra Fria, você tinha a mídia toda apoiando (...) Se você analisa o que o presidente tinha na mão, ele tinha os manifestantes na rua, CACs [atiradores esportivos], um monte de CAC espalhado... ele não tinha Congresso, ele não tinha jurídico, ele não tinha apoio internacional, ele não tinha nada
Mauro Cid, em seu primeiro depoimento à PF

Nesse momento, um dos delegados o interrompe para dizer que, apesar de ser essa a opinião de Cid, as informações obtidas pela PF sobre os movimentos dos militares não corrobora essa conclusão.

"Esse é seu entendimento pessoal. Mas os movimentos que ocorreram não levam a essa conclusão", disse o delegado. Cid tenta se corrigir: "Então, era o que o pessoal queria, mas estrutura pra ter condições de dar um golpe não tinha".

Cid prossegue dizendo que a atual geração dos militares respeitava a hierarquia e nunca se mobilizaria para fazer algo sem receber uma ordem. A declaração contradiz a apuração da PF, que comprova a pressão dos escalões inferiores em cima dos generais para tentar convencê-los a dar um golpe, inclusive com a divulgação de uma carta aos comandantes.

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Então essas conversas dos militares eu levo pra essa linha, grupo de WhatsApp, pessoas falando besteira. É que nem grupo dos empresários, os caras falando besteira. Mas parou. Para ali. Porque não tem plano. Ah, mas ele podia influenciar os generais acima. Mas os próprios generais, cada um tem o seu limite. Quem poderia fazer alguma coisa era quem tinha tropa na mão, a maioria daqueles caras não tinha tropa na mão
Mauro Cid, em seu primeiro depoimento à PF

Sobre Braga Netto, Cid o cita apenas como um elo entre o presidente e os manifestantes do acampamento golpista, omitindo toda a atuação do general para a realização do golpe.

Depois de detectar todas essas omissões, a PF chamou Cid para um depoimento em 19 de novembro de 2024. O vídeo mostra que o tenente-coronel estava tenso e enfatizava não ter participado da organização de ações golpistas. Ele ainda resistia a dar detalhes.

"Mais alguma coisa de concreto, não, porque eu não participei. Eu não participei. Eu falei da minuta, eu vi a minuta, eu vi a confecção, eu vi o presidente tocando. Mas, de detalhes disso, eu não sei, eu não sei se vocês querem saber mais nome de mais gente, ou que eu abra mais frentes", disse Cid ao delegado. "Eu não quero ser chamado de mentiroso depois, eu não tô mentindo".

Só dois dias depois, quando convocado para se explicar ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, foi que Cid revelou diversos detalhes novos do envolvimento de Braga Netto e dos militares das Forças Especiais. Confirmou que teve acesso a documentos com um planejamento operacional e deu informações sobre uma reunião com militares na casa de Braga Netto para bolar um plano de ação.

"A discussão estava nesse nível, o que poderia ser feito para que tivesse um caos utilizando as massas, utilizando aquela população toda que tava na rua, para que pudesse ser decretada alguma coisa", contou em seu depoimento de novembro de 2024.

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Defesa de Bolsonaro

Celso Vilardi, um dos advogados de Bolsonaro, diz que vai pedir a anulação da delação de Cid. Em entrevista à GloboNews, questionado pela jornalista Andreia Sadi se iria pedir a anulação, advogado disse "evidentemente que sim".

Ele criticou o andamento do processo e o fato de o ministro Alexandre de Moraes ter ouvido Cid. "Cadê os juristas, cadê os advogados que criticaram a Lava Jato? Qual é o recado que nós vamos passar para o país admitindo uma delação como essa?", perguntou. "Precisamos ter cuidado, porque é grave o que está acontecendo."

Bolsonaro chamou a acusação da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre tentativa de golpe de "denúncia Disney" e disse: "caguei pra prisão". "O tempo todo: vamos prender Bolsonaro. Caguei pra prisão", afirmou em discurso durante evento do PL em Brasília nesta quinta-feira (20). "Desde 19, [eu] articulava ao desacreditar o sistema eleitoral e dar um golpe. O golpe da Disney, porque eu tava lá com Pato Donald e o Mickey", ironizou.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

42 comentários

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Ruy Reis Vasconcellos Filho

Todo cara pego com a boca na botija, com coisa grossa nas mãos, ao ver que vai em cana, a única saída é salvação, é a delação. No começo, conta um pouquinho, e acha que logo vai sair livre, até porque tem medo de morrer, se falar tudo. Como quem escuta e decide sobre a delação não é marinheiro de primeira viagem, e nem idiota, já sabe que no inicio o delator não conta nem 1% de toda a missa. A medida que o delator vê que seu pescoço continua a prêmio, vai abrindo a conta gotas, até que a autoridade tenha as provas suficientes para livrar a cana do delator, e alternar a cana para os verdadeiros responsáveis. Simples assim. O instrumento da delação veio para pegar os tubarões e aliviar os peixinhos. Simples assim!!!

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Manoel Alfredo Grupioni Cortes

Sim, ele foi mudando suas versões até elas ficarem consistentes com o que o Ministro queria ouvir....

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Alfio Serinho

MUDANDO, FOI MUDANDO, FOI SENDO REFORMADO, ATÉ QUE FICOU OK, DO JEITINHO QUE QUERIAM QUE FOSSE. 

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