Histórias de mulheres que desafiaram o machismo e o racismo nas ciências
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Nesta quarta-feira (7) foi anunciado o Prêmio Nobel de Química 2020 para duas pesquisadoras: a francesa Emmanuelle Charpentier e a norte-americana Jennifer A. Doudna pelo desenvolvimento do Crispr, sistema de edição genética, que pode contribuir para a cura de doenças hereditárias.
Também anunciada esta semana, a astrônoma norte-americana Andrea Mia Ghez foi a vencedora do Nobel de Física 2020, junto com outros dois cientistas, pelos estudos sobre os buracos negros do espaço.
As três premiações já revelam um quadro muito diferente do ano passado quando todos os prêmios Nobel da área de ciência foram concedidos a homens.
Mesmo com escolhas controversas, o prêmio continua sendo um importante reconhecimento para cientistas do mundo inteiro. E revela a disparidade de gênero entre os premiados.
Pesquisadoras das ciências, engenharia, tecnologia e matemática têm avançado neste espaço ainda dominado pela hegemonia masculina.
O desafio delas é contrariar estereótipos machistas de que as mulheres se interessam apenas por estudos das ciências sociais e das humanidades.
Quando o sexismo encontra o racismo
Dificuldade ainda maior enfrentada pelas mulheres negras que se dedicam à pesquisa científica e encontram as barreiras do racismo associadas ao sexismo.
As novas gerações caminham para mudar esse quadro de desigualdade.
Exemplo desta presença feminina nas ciências é a biomédica baiana Jaqueline Goes de Jesus, 30 anos, doutora em Patologia Humana e Experimental pela Universidade Federal da Bahia, em associação com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Jaqueline integrou a equipe responsável pelo sequenciamento genético do novo coronavírus dos primeiros casos de covid-19 na América Latina.
Nas entranhas do coronavírus
Em tempo recorde no mundo, a equipe do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, em parceria com a USP (Universidade de São Paulo) e Universidade de Oxford, na Inglaterra, coordenada por Ester Sabino e Jaqueline Goes, obteve o genoma do coronavírus, que corresponde a todas as informações hereditárias do vírus.
O genoma é a chave do segredo. Com ele é possível saber, por exemplo, quais as proteínas que alimentam o vírus, quais as mutações ele sofre e de que forma atua no sistema imunológico humano. São informações essenciais para as pesquisas sobre medicamentos e vacinas.
A rapidez da descoberta foi possível pela antecipação das pesquisadoras, que monitoraram a disseminação da pandemia pelo mundo a partir de janeiro deste ano.
Com mais de 22 artigos publicados em renomadas revistas científicas internacionais, Jaqueline Goes acumula premiações por suas pesquisas em biomedicina.
Pesquisadora trabalha para evitar epidemias
O mais recente reconhecimento foi o Prêmio Capes de Tese 2020, da área de Medicina II, concedido agora em outubro pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), vinculada ao Ministério da Educação do Brasil.
A tese, defendida em 2019, aborda a vigilância do genoma de outra preocupação para a saúde da população brasileira: os arbovírus causadores da zika, dengue, chikungunya e febre amarela.
Atualmente desenvolvendo pesquisa de pós-doutorado no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (USP), a atenção de Jaqueline retorna para a dengue a partir de casos da nova linhagem observados em cidades brasileiras, como a capital paulista. A pesquisadora quer descobrir os padrões desta transmissão para ajudar a prevenir uma nova epidemia no país.
A trajetória de Jaqueline Goes se associa a de outras pesquisadoras negras que romperam a dupla barreira imposta pelo racismo e o sexismo e produziram contribuições para as ciências no Brasil e no mundo.
Livro reúne biografias de negras cientistas pioneiras
Algumas dessas biografias estão reunidas no livro "Descolonizando Saberes: Mulheres Negras na Ciência", da professora da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Barbara Carine Soares Pinheiro.
A publicação tem como finalidade difundir produções científicas de mulheres negras, em especial das ciências biomédicas, matemática e tecnológicas.
No livro, Barbara Carine, que atualmente é vice coordenadora do Instituto de Química da UFBA, conta que cursou a graduação, o mestrado e o doutorado na Instituição e, durante todo o período, só teve um professor negro e nenhuma docente negra.
"Descobri que havia um passado encoberto, uma história silenciada, produções científico-tecnológicas pilhadas, uma intelectualidade ancestral negada. Percebi ali que precisava fazer algo para que as pessoas semelhantes a mim acessassem o quanto antes esses conhecimentos que timidamente eu resgatava no meu movimento pessoal", conta em trecho do livro, lançado em maio de 2020, pela editora Livraria da Física.
Pioneirismo tem exemplos de quase 5 mil anos
Entre as trajetórias reunidas na obra estão a de Merit Ptah, a primeira mulher cientista que se tem notícia no mundo, que viveu em Kemet, antigo Egito, há cerca de 4700 anos.
Também está a norte-americana Rebecca Lee, primeira negra a diplomar-se médica e, também, primeira afro-americana a publicar um livro de Medicina, em 1883.
Outra representante do continente africano é a ecologista queniana Wangari Maathai, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 2004. No livro há o questionamento do fato da cientista, com formação em Biologia e doutorado em Anatomia, não ter sido reconhecida com um Nobel científico, fato raro para uma pessoa negra.
Do Brasil, a baiana Odília Teixeira Lavigne, primeira médica negra do país formada na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1909, apenas duas décadas após o fim da abolição. A tese de conclusão de curso de Odília foi sobre a cirrose hepática alcoólica, doença que preocupava desde o início do século 20
Há outras histórias de superação como de Enedina Alves Marques (1913-1971), primeira mulher negra a formar-se em engenharia no Brasil e a primeira mulher engenheira do estado do Paraná.
O intuito, ao tornar públicas essas histórias, é incentivar outras mulheres à pesquisa científica, a partir destas referências que romperam obstáculos e se tornaram pioneiras com seus estudos e descobertas.
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