Quem se importa com os artistas excluídos pela Fundação Palmares?
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O atual presidente da Fundação Cultural Palmares cumpre o papel de chamar atenção para polêmicas enquanto o governo de Jair Bolsonaro não consegue dar respostas para graves situações que afligem o país como o desemprego, a insegurança, o genocídio de corpos negros e uma crise de saúde que já registrou mais de 170 mil mortes, na maioria, pessoas pretas e pobres.
Essa função de desviar o foco do que realmente importa já foi exercida por outros representantes do governo Bolsonaro, como a ministra Damares Alves e o ex-ministro Abraham Weintraub. Sergio Camargo continua a linhagem, desempenhando bem o papel.
A cada semana uma frase de efeito contra as lutas das populações negras, a negação do racismo e a desvalorização da biografia de personalidades negras.
A imprensa, para demonstrar que se importa com o tema, dá destaque às bobagens proferidas por aquele que já provou sua total irrelevância para os caminhos que o Brasil e mundo precisam tomar em direção à desconstrução do racismo.
Martinho comemora retirada do seu nome da lista
O último feito foi a divulgação de artistas excluídos de uma tal lista de homenageados pela Fundação Palmares.
Qual a relevância de receber qualquer reconhecimento por uma instituição desmontada da sua função pública? O que significa ser homenageado por um governo cujo dirigente saúda a memória de torturadores?
O cantor, compositor e escritor Martinho da Vila, um dos excluídos, se disse contente por ter sua imagem desvinculada totalmente desta organização que "deixou de ser nossa".
O governo federal promove ataques a artistas negros e quem se importa com isso? Como o Brasil trata esses artistas? Como tem sido a valorização desta arte que tantas contribuições oferecem à cultura nacional?
Pandemia estrangula artistas negros
Salvador, cidade fortemente marcada pelas heranças africanas, poderia ajudar a dar essas respostas.
Na última lista dos banidos pela Fundação Palmares estão baianos como Gilberto Gil, o escultor Emanoel de Araújo, diretor do Museu Afro-Brasil de São Paulo, e o presidente do bloco afro Ilê Aiyê, Antônio Carlos Vovô.
A dificuldade que os blocos afro encontram para manter suas atividades e os riscos, a cada Carnaval, da não-participação na festa por falta de apoio, demonstram que o problema não está concentrado na esfera federal.
O próprio Ilê Aiyê passa por um risco de perda da sua sede própria, em Salvador, onde desenvolve projetos sociais e de educação, a exemplo de uma escola comunitária gratuita e oficinas de músicas, conforme já informamos aqui nesta coluna.
A pandemia do coronavírus obrigou a suspensão de shows e atividades artísticas ao longo do ano, gerando uma situação de muita dificuldade para a classe artística.
Mais grave ainda é a realidade daqueles que historicamente já são discriminados pelo mercado das artes e eventos.
Réveillon de Salvador terá Ivete e Gusttavo Lima
Denunciamos aqui também a situação de capoeiristas que estavam vivendo da doação de cestas básicas, por conta da suspensa das aulas e apresentações públicas.
Por outro lado, alguns artistas conseguiram, em meio à crise, manter sua exposição nos meios de comunicação, altos cachês para campanhas publicitárias e a realização de lives altamente patrocinadas.
O poder público, quando pode intervir de algum modo nesta dinâmica, faz em apoio aos artistas já valorizados pelo mercado.
Esta semana, o prefeito de Salvador ACM Neto anunciou a festa de Réveillon da cidade. Será realizada uma live (sim, mais uma!) com dois artistas que, nas palavras do gestor municipal, são as maiores atrações do país: a baiana Ivete Sangalo e o mineiro Gusttavo Lima.
"A ideia é manter a festa viva mesmo sem a realização convencional. Depois de um ano de tantas dificuldades, desafios a serem superados e problemas, nós da prefeitura tínhamos que pensar de maneira criativa e diferente em fazer uma festa, em pensar em Salvador como um destino comentado no mundo".
Criativa? Diferente?
A julgar que Ivete vem realizando a contagem regressiva na capital baiana há quase uma década e que ambos os artistas foram responsáveis por lives, ao longo deste ano, com muitos patrocínios e exibidas nas principais emissoras do país e plataformas digitais, qual é mesmo a novidade?
Nem os cachês de R$ 1 milhão, que de acordo com ACM Neto serão pagos pela iniciativa privada, devem ser novidades na carreira dos artistas.
Também não é nova a crítica de desvalorização dos artistas locais, em especialmente da cultura afro, na programação da festa de Réveillon e no próprio Carnaval de Salvador.
Na cidade que já ofereceu ao mundo a capoeira, o samba, artistas como Margareth Menezes, Olodum, o próprio Ilê Aiyê e tantas e tantos talentos de pele escura, a escolha pela branquitude nos palcos não pode ser dissociada do racismo institucional.
Do alto da sua arrogância política, inflada pela vitória do seu candidato à sucessão ainda no primeiro turno das eleições municipais, ACM Neto chamou de "invejosos" e pessoas com "dor de cotovelo" os críticos da escolha das atrações da virada deste ano.
Quem se importa?
Para muitos, os cachês e a visibilidade da festa — que será transmitida por emissoras de televisão para todo o país — seriam uma oportunidade para auxiliar os artistas e grupos da cidade que tiveram suas vidas econômicas devastadas pela pandemia.
Muitos estão sem qualquer perspectiva diante do cancelamento dos ensaios de verão, das festas populares da Bahia e do próprio carnaval.
Tão ruim quanto retirar artistas negros de uma lista de homenagens é não incluí-los na programação de uma grande festa - bem paga - da cidade.
Neste texto cheio de perguntas, me permitam a última delas:
Quem realmente se importa com os artistas negros?
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