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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No Dia dos Pais, é preciso falar de abandono paterno e silêncio dos homens

Ciro Junior e o Cauê Malik: com o nascimento do filho, nasce um pai - Acervo pessoal
Ciro Junior e o Cauê Malik: com o nascimento do filho, nasce um pai Imagem: Acervo pessoal

Colunista do UOL

14/08/2022 10h10

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No Dia dos Pais, há um empenho comercial e midiático em celebrar —mais do que nos outros dias do ano— aquele que é sempre associado a ideais de exemplo e referência.

Infelizmente, muitos filhos não contam com esse sujeito heroico. Ou porque a imagem não é nada positiva ou pela ausência total daquele que deveria exercer a paternidade.

Nos últimos anos houve no Brasil um considerável aumento no número de crianças que foram registradas sem o nome do pai. Situação que se agravou com a pandemia de coronavíus. O abandono paterno é um sério problema que desestrutura as famílias brasileiras —principalmente as mais pobres.

Mesmo entre aqueles pais que registram e que permanecem presentes na vida dos filhos ainda há um longo caminho de desconstrução dos papéis sociais impostos pelo machismo, que limitam a participação efetiva dos homens nas funções ligadas ao cuidado.

Na sociedade patriarcal, tarefas cotidianas relacionadas à alimentação, à saúde e higiene das crianças, ou o diálogo mais íntimo sobre questões delicadas que afligem os filhos são reservados exclusivamente às mães, fazendo com que muitos homens não se sintam responsáveis por isso.

Quando o filho finalmente chega à posição de pai surge a possibilidade de refletir sobre as referências que teve —tomando a decisão de repetir ou corrigir velhas práticas.

Cuidado não é "coisa de homem"

Elber Anjos, 34, é pai de Elen, 7, e Eloá, 3. Quando ele e a esposa decidiram ter um bebê, Elber decidiu que se dedicaria à criança, oferecendo tudo que não recebeu do pai, que sempre foi ausente.

Eu cuido de tudo delas, desde pequenas, aprendi a dar banho, trocar fralda, pentear o cabelo, mesmo com alguns olhares de desconfiança e comentários de que isso ou aquilo não é coisa de homem."

Elber Anjo e as filhas Elen e Eloá: amor e cuidados paternos - Acervo pessoal - Acervo pessoal
O soteropolitano Elber Anjo e as filhas Elen e Eloá: amor e cuidados paternos
Imagem: Acervo pessoal

Elber trabalha nos Correios e está concluindo a graduação em Geografia na Universidade Federal da Bahia. Além de carinho e atenção, ele diz que a principal preocupação com as filhas é a educação.

"Mesmo com muita dificuldade financeira, tendo que criar sozinha eu e meu irmão, minha mãe sempre priorizou nossa educação, nos levando para projetos sociais e incentivando a fazer cursos técnicos. Eu busco o mesmo para minhas filhas."

Ele conta que apesar dos problemas, a pandemia possibilitou que ele ficasse ainda mais próximo das filhas. A mais velha aprendeu a ler em casa com ele. "Elen se destaca na leitura graças ao acompanhamento que demos durante a quarentena."

Questionado se percebe a mesma postura entre os homens da sua comunidade —o bairro do Nordeste de Amaralina, em Salvador—, ele lamenta que ainda sejam poucos os pais presentes na criação dos filhos.

"Muitos não querem a responsabilidade e perdem a chance de viver essa felicidade de acompanhar o crescimento de um filho."

Mesmo raros, ele cita dois ou três amigos que "chegam junto" nos cuidados com as crianças, incluindo um primo mais novo que já se inspira em Elber como exemplo de pai. "Não recebi essa referência em casa, mas tive alguns pais de amigos que pude observar. Não quero que minhas filhas sintam a mesma falta de amor paterno que eu senti."

O silêncio dos homens

O nascimento do filho, Cauê Malik, há sete anos, fez acender um alerta na vida de Ciro Rocha Junior. Além de se comprometer com todos os cuidados necessários, o professor de história de 38 anos não queria que o filho tivesse as dores que experimentou na infância e juventude.

Morador do bairro de Itapuã, na Orla de Salvador, Ciro conta que por estarem preocupados em outras urgências como o sustento dos três filhos, seus pais —uma servidora pública da saúde e um metalúrgico— não conseguiram enxergar e escutar os sofrimentos de uma criança negra em ambientes marcados pelo racismo como a escola.

"Não conversava em casa, principalmente com meu pai, sobre o que eu sentia e o que eu passava por conta do preconceito. Demorei para me aceitar como um negro, a me considerar bonito e com qualidades."

O machismo molda o comportamento dos homens, exigindo que se mostrem sempre fortes, resolvidos e preparados para todas as adversidades. Sem espaço para expressarem fragilidades, inseguranças e dúvidas.

A gente vai aprendendo a silenciar nossas dores, sobretudo nós, homens pretos. Quando me vi na condição de pai logo pensei em como proteger meu filho de dores semelhantes às que passei sem poder falar sobre elas."

Normalmente, os meninos são ensinados, desde pequenos, a engolir o choro, a superar as dores e a embrutecer seus sentimentos.

Ciro Junior e o filho Cauê Malik - Acervo pessoal - Acervo pessoal
O historiador Ciro Junior e o filho Cauê Malik: amor paterno e educação antirracista
Imagem: Acervo pessoal

Ciro lembra um fato marcante que viveu com o pai, já na fase adulta: "Fui com meu pai a uma concessionária. Ele estava feliz pois iria comprar um carro novo. Ao chegar, se afastou para ir ao banheiro e fiquei sozinho. Por alguns minutos me senti invisível para aqueles vendedores que passavam por mim e me ignoravam. Na hora da compra, resolvi quebrar o silêncio e falar do ocorrido. A vendedora minimizou e meu pai concordou com ela, menosprezando meu relato. Eu vi ali, mais uma vez, a tentativa de silenciar meu sentimento".

A diferença, ele diz, é que já tinha bastante consciência e entendimento de como o racismo e o machismo agem e estava decidido a não mais se calar. Além de prolongar aquela conversa com o pai, Ciro resolver reunir outros pais de crianças negras para dialogar sobre proteção e cuidado, a partir de uma educação antirracista.

A partir da roda de amigos, foi convidando outros pais interessados. Além da troca de informações em um grupo de WhatsApp que reúne 50 participantes de diferentes profissões e idades, Ciro coordenou encontros virtuais com especialistas em educação infantil e ativistas que atuam na luta contra o racismo, o machismo e a homofobia.

Infelizmente ainda há pouca disposição dos homens em discutir esses assuntos. A desculpa da falta de tempo e do cansaço não se justifica se observarmos a interação que rola em outros grupos, como o da resenha, do futebol, da cerveja ou outros temas."

Elber Anjos sabe do impacto das desigualdades raciais na vida das filhas e afirma já conversar com a mais velha sobre a temática. "Eu sempre busco dar bonecas pretas parecidas com elas e converso sobre representatividade. Elas precisam saber que há pessoas negras nas diversas profissões para saberem que elas também podem chegar."

Pais precisam dialogar com a escola

Como professor, Ciro Junior reclama também da persistente ausência dos pais no diálogo com a escola, o que poderia provocar uma melhoria das práticas pedagógicas.

"Há uma disposição para exigir direitos em diversas áreas. Se compra um carro, o cidadão quer que o seguro preste o melhor serviço e cobra todos os itens, mas não faz o mesmo em relação à educação que os filhos estão recebendo na escola."

Exemplo disso é a lei que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira, em todos os níveis da educação. A exigência legal existe desde 2003 (Lei 10.639) e, em 2009, foi ampliada com a inclusão da história e cultura indígena (Lei 11.645).

Há muita reclamação de ausência destes conteúdos nas escolas, sobretudo nos anos iniciais. No entendimento de educadores, a inclusão contribuiria para diminuir práticas de preconceito geradas pelo desconhecimento e por narrativas negativas sobre as populações negras e indígenas.

"Mas qual pai está realmente interessado em acompanhar a educação que os filhos estão recebendo na escola e como esses conteúdos estão sendo trabalhados?", questiona Ciro, já dando uma triste resposta, baseada em sua experiência profissional como docente e na mediação do grupo virtual de pais. "Poucos se interessam, mesmo aqueles pais com acesso à informação e com condições de manter os filhos em escolas particulares."

Ele conta que somente esse ano quatro homens do grupo tiveram seus filhos envolvidos em situações de violência racial nas escolas —nestes momentos, há solidariedade entre os participantes, mas poucos sabem quais atitudes tomar.

Falta aos pais estarem mais próximos e escutarem de fato o que as crianças estão vivenciando, algo que as mulheres já fazem. Basta observar as reuniões escolares, ocasiões nas quais a presença é predominante de mães.

Eu tive a oportunidade de trabalhar durante dois anos no sistema prisional aqui em Salvador. Eu nunca via homens nos dias de visita e me perguntava: onde estão esses pais? "

Provavelmente sempre estiveram ausentes e é mais provável ainda que essa ausência tenha contribuído para que o filho estivesse naquele lugar.