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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Margareth Menezes no ministério representa aceno a grupos que elegeram Lula

Margareth Menezes é um dos nomes cotados para o ministério de Lula --mas a indicação ainda não foi oficialmente confirmada - Divulgação
Margareth Menezes é um dos nomes cotados para o ministério de Lula --mas a indicação ainda não foi oficialmente confirmada Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

11/12/2022 13h34

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A escolha da baiana Margareth Menezes, 60, para o Ministério da Cultura, se confirmada, será um dos grandes acertos do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vai começar em 1º de janeiro de 2023 seu terceiro mandato na presidência do Brasil.

Do ponto de vista simbólico, é um primeiro aceno de que essa nova gestão garantirá espaço no primeiro escalão para mulheres e pessoas negras, uma exigência feita ao longo da campanha por diversos movimentos sociais. Até agora só foram anunciados cinco ministros, todos homens e quase todos brancos.

Na acirrada disputa eleitoral deste ano, Lula sempre contou com o apoio dos grupos que são constantemente hostilizados por evidenciarem bandeiras identitárias para reivindicarem direitos fundamentais, como não serem vítimas de violência e de assassinatos.

É o caso de negros, mulheres, povos indígenas e a comunidade LGBTQIA+ que, a despeito de tanto ódio e ofensas, vindas inclusive do campo político partidário, midiático e acadêmico, foram fundamentais para derrotar os discursos fundamentalistas e contrários aos direitos humanos que comandaram a nação nos últimos quatro anos.

Margareth Menezes no Ministério da Cultura representa a esperança que, mais uma vez, elegeu Lula presidente do Brasil.

A representatividade é fundamental para a consolidação de um governo que se quer democrático e popular, ainda mais em uma área como a Cultura.

Mas precisamos também destacar os méritos de Margareth como artista, conhecedora das engrenagens da cultura deste país e também seu talento como gestora à frente de importantes iniciativas inovadoras.

Trajetória marcada por resistência, diversidade de ritmos e muito talento

Cantora, compositora, atriz e gestora cultural, Margareth representa a diversidade da arte que pulsa neste país, em meio à resistência dos que apostam na hegemonia de padrões únicos, massificados por uma indústria que repete formatos de retorno financeiro fácil e rápido.

Margareth tem conhecimento, por experiência própria, das necessidades de artistas, técnicos e públicos não valorizados pela lógica comercial da cultura mainstream e que por isso encontram estratégias criativas e ousadas para se manterem produtivos e atuantes no cenário das artes. São esses, inclusive, os menos beneficiados por políticas públicas e de leis de fomento, como a Rouanet, tão criticada e pouco conhecida de fato pelos bolsonaristas.

A trajetória de Margareth, há quase quatro décadas oferecendo ao país uma obra relevante e representativa das matrizes que formam essa nação, atesta as suas qualificações para este cargo de ministra da Cultura.

Sua performance no palco tem a força da atuação vigorosa de quem experimentou as artes cênicas e valoriza a palavra escrita, dita e cantada na língua portuguesa do Brasil, com suas matrizes históricas e seus falares cotidianos. Tem poesia e muita força afirmativa em sua presença, seu canto é de uma energia mobilizadora —impossível ficar inerte diante da sua voz— quem resiste quando Maga entoa os versos do refrão "eu falei Faraó"?

A musicalidade de Margareth Menezes une a ancestralidade dos blocos afro e da música negra dos guetos do Brasil e da Diáspora africana à world music que ela conheceu ao lado de figuras como David Byrne, com quem excursionou por palcos do mundo. É uma arte afro-pop-brasileira, com referência direta aos nossos consolidados movimentos como a Bossa Nova e a Tropicália aos modernosos Tribalistas. Tudo misturado pelo talento de uma agitadora gestora da Cultura.

A competência de Margareth Menezes vem sendo testada no modo de gerir uma carreira de sucesso, enfrentando as barreiras impostas a uma mulher negra, nordestina, em uma indústria cultural que privilegia padrões eurocêntricos. Basta uma comparação rápida do tratamento midiático e econômico reservado a outras artistas do carnaval baiano, como Ivete, Claudia Leitte e Daniela Mercury, para entendermos o quanto Maga sempre precisou ser muito competente em suas escolhas e estratégias. Para ela, nunca foi fácil.

Para compartilhar os frutos das suas conquistas, Margareth criou e coordena no bairro onde nasceu, a Ribeira, em Salvador, projetos relevantes como o Mercado Iaô e a Fábrica Cultural, ambos fomentadores de iniciativas que envolvem arte, empreendedorismo, economia criativa e desenvolvimento comunitário. São experiências exitosas que poderão auxiliar nas decisões (em escala muito maior) que terá que tomar em uma pasta tão importante como é o Ministério da Cultura.

Gilberto Gil defendeu maior orçamento para o Ministério da Cultura

Há uma expectativa de que o terceiro mandato de Lula repita os acertos experimentados pela população brasileira na primeira gestão do petista, entre 2003-2006.

Uma das melhores recordações desta época foi a política cultural implantada pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil. Além do prestígio internacional e do carisma para o diálogo com diferentes grupos, Gil apresentou ideias criativas para fomentar a economia que gira em torno da cultura e de valorização dos agentes produtores deste campo.

Enquanto batalhava um aumento do orçamento da pasta, que não chega a 1% dos investimentos governamentais, Gilberto Gil propôs um 'do-in antropológico', com reconhecimento e apoio direto a grupos e artistas que realizavam manifestações culturais nos rincões deste país, mantendo viva e forte a nossa arte e a cultura brasileira.

Margareth pode nos trazer de volta esse espírito animado, humanista e progressista de tratarmos a nossa arte e de conversamos com a cultura de outros lugares.

Um movimento que deve unir arte livre e engajada com o peso burocrático que a política exige, contribuindo para uma gestão que precisará reconstruir tudo que foi devastado por esse governo que termina e terá a missão de cuidar das nossas mais identitárias expressões culturais em diálogo com os movimentos mais dinâmicos da cultura mundial.

Não é uma tarefa fácil, mas muito possível para uma artista que nos ajudou a conhecermos nossa história ao nos conectar com nossas heranças ancestrais, em busca de todo conhecimento e descobertas que a África legou ao mundo. Foi através do canto de Margareth que a música do Olodum nos ensinou sobre o Egito dos Faraós, da criação da humanidade, das grandes invenções e pregou que:

As cabeças se enchem de liberdade
O povo negro pede igualdade
Deixando de lado as separações"
(Faraó, música de Luciano Gomes)

Neste momento, o Brasil precisa da esperança que a arte proporciona e da afirmação de direitos que a cultura mobiliza.

Que a presença de Margareth, integrando esse novo governo, junto a outras mulheres, incluindo negras e indígenas, reconstitua a importância da Governo Federal como representante dos anseios desta população tão diversa e que foi tão massacrada nos últimos anos.