André Santana

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Opinião

Racismo estrutural, alegado por Wanessa Camargo, não é álibi para racistas

A cantora Wanessa Camargo, 41 anos, expulsa da atual edição do reality show Big Brother Brasil, postou um vídeo esta semana pedindo desculpas por suas atitudes contra o participante Davi, com o qual teve diversos embates.

Wanessa, que pareceu estar obcecada em condenar todas as atitudes de Davi, atribuiu suas ações ao racismo estrutural.

O termo tem sido utilizado com frequência para justificar práticas de discriminação racial, como sendo sempre culpa das estruturas racistas da sociedade. Os indivíduos, como produtos dessa sociedade, acabam apenas por reproduzir.

Contudo, pesquisadores e ativistas têm chamado atenção para a responsabilidade dos indivíduos e, especialmente, das instituições para a manutenção do racismo como um sistema de poder que privilegia a população branca em detrimento dos direitos e da vida das pessoas negras

Wanessa disse querer se tornar antirracista

Em sua postagem, Wanessa Camargo reconheceu que suas falas e comportamentos em relação a Davi se enquadram no racismo tão enraizado na sociedade e em pessoas privilegiadas como ela.

"Eu devo sim, um pedido de desculpas ao Davi e consequentemente a sua família e a todas as pessoas negras que se sentiram machucadas e ofendidas. Me desculpem do fundo do coração", disse Wanessa no vídeo.

A artista prometeu que a conversa e aprendizado não terminarão por ali, pois ela quer se tornar antirracista e contribuir para uma sociedade mais justa, consciente e igualitária

Além dos elogios de alguns fãs, muita gente considerou o pedido de desculpas forçado, com única intenção de buscar uma redenção após ter conhecimento de como sua postura no programa gerou muita insatisfação no público. Ou seja, o medo de ser cancelada.

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O detalhe mais comentado sobre o pedido de desculpas foi justamente o uso do termo racismo estrutural, conceito popularizado no Brasil a partir da obra do jurista e filósofo do Direito, Sílvio Almeida, atual ministro dos Direitos Humanos, publicada em 2019, dentro da Coleção Feminismos Plurais.

No livro, Silvio Almeida explica que o racismo estrutural é o resultado de um conjunto de condições e processos históricos e políticos, que não começam no ato discriminatório, mas que constituem as relações de poder, e não são apenas uma questão moral.

O racismo é entendido como resultado de uma sociedade racista e das construções sociais vivenciadas por privilégios estruturalmente estabelecidos, tendo como sintoma a naturalização da condição da pessoa branca como regra e padrão.

O conceito não é novo, vem sendo debatido pelo menos desde a década de 1960. Nos últimos anos tem gerado reflexões aprofundadas, a exemplo do livro Racismo estrutural: uma perspectiva histórico-crítica, do professor da Universidade de São Paulo, Dennis de Oliveira, publicado em 2021. Na obra, o racismo é discutido para além dos comportamentos preconceituosos, mas sim como o aspecto central do processo histórico e econômico de formação do Brasil, tendo o escravismo como elemento da estrutura do capitalismo implantado no país.

"Racismo estrutural não é um álibi para racistas"

O ministro Silvio Almeida utilizou sua conta no X (antigo Twitter), nesta quinta-feira, 14, para falar que, vez ou outra, o conceito de racismo estrutural alimenta debates nas redes sociais pelos motivos mais inusitados, e de como algumas pessoas, inclusive estudiosos da academia, distorcem o conceito.

Almeida compartilhou um trecho do seu próprio livro, destacando que o propósito do seu olhar mais complexo para a temática é justamente afastar análises superficiais ou reducionistas sobre a questão racial que, além de não contribuírem para o entendimento do problema, dificultam em muito o combate ao racismo.

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"Pensar o racismo como parte da estrutura não retira a responsabilidade individual sobre a prática de condutas racistas e não é um álibi para racistas. Pelo contrário: entender que o racismo é estrutural, e não um ato isolado de um indivíduo ou de um grupo, nos torna ainda mais responsáveis pelo combate ao racismo e aos racistas", escreveu Almeida.

Autor já tinha alertado para a responsabilidade individual diante do racismo

Em 2022, antes de ser convidado para compor o governo Lula, Silvio Almeida participou de uma entrevista para o Canal do UOL, conduzida por Kennedy Alencar, com participação da jornalista Juliana Dal Piva e deste colunista.

Na oportunidade, fiz questão de perguntar ao jurista sobre o risco da banalização do conceito de racismo estrutural levar indivíduos racistas a se isentar da responsabilidade sobre o problema.

Sílvio foi enfático em defender o contrário, que falar de racismo estrutural é justamente para destacar a responsabilidade individual:

"As teorias que colocam o racismo como uma criação da ação do comportamento do indivíduo trabalham na chave da culpa, que se trate pelo Direito, ou então seja um processo de reformatação do indivíduo por meio da Educação. Não é disso que se trata. O que a gente está é acentuando a responsabilidade do indivíduo, porque uma vez que o racismo é estrutural, nós saímos do âmbito da culpa e passamos para a responsabilidade. Ou seja, a gente tem que fazer alguma coisa para lidar com isso", disse.

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Ele também ressaltou que é fundamental que cada um esteja atento ao impacto dos comportamentos, e de como são atravessados pela dinâmica estrutural do racismo.

"Porque uma questão do racismo é que ele se percebe não no comportamento voluntário, mas naquele susto que se leva, por exemplo, quando vê um negro em algum lugar, onde geralmente os negros não estão. Ou então a normalização de ver pessoas negras em lugares em que elas geralmente estão por conta de uma dinâmica histórica. Isso é o racismo que nos atravessa".

Racismo mobilizou raiva de Wanessa e Yasmin contra Davi

Nesta lógica, conseguimos pensar o incomodo que a postura de Davi, um negro não subserviente, causou em Wanessa e todos os gatilhos que ela dizia ter a partir simplesmente da presença dele.

A cada embate, que Davi respondia com altivez, gerava ainda mais descontrole e raiva na cantora, que conseguiu influenciar a percepção de outros participantes em relação ao motorista de aplicativo.

Prova disso, foi a dificuldade da modelo Yasmim Brunet, maior aliada de Wanessa, em justificar o porquê de tanta raiva contra Davi. Em várias entrevistas dadas após a eliminação do programa, Yasmin não sabia responder como e quando começou o seu desafeto com Davi.

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A resposta pode ser, lembrando as palavras de Sílvio Almeida, o susto em ter que conviver com um espaço de igualdade com um homem preto, sem que este esteja te servindo ou sendo seu subordinado.

"Pensar o racismo estrutural é pensar em como a gente consegue desnaturalizar o nosso comportamento e nosso olhar. Entender que o racismo é histórico e político, e sendo histórico e político pode ser superado", adverte Almeida.

Veja a entrevista completa de Silvio Almeida para UOL aqui.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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