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Diretor da Força Nacional insufla novos motins da PM

Viaturas da Polícia Militar do Ceará em frente a batalhão durante greve de policiais em Fortaleza - Reprodução
Viaturas da Polícia Militar do Ceará em frente a batalhão durante greve de policiais em Fortaleza Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

03/03/2020 10h47

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"Vocês movimentaram toda uma comissão de poderes constituídos do estado cearense e do governo federal. Então, os senhores se agigantaram de uma forma que não tem tamanho, e é o tamanho do Brasil que vocês representam."

Quem entrasse na noite de domingo naquele quartel sublevado da PM cearense, em Fortaleza, poderia imaginar que estava ouvindo o líder dos amotinados, que deixaram um rastro de 220 mortes em 13 dias.

Mas quem discursava na assembleia policial, com palavras grandiloquentes, era o diretor da Força Nacional de Segurança Pública, Aginaldo de Oliveira, coronel da PM do Ceará, enviado pelo Ministério da Justiça ao estado para garantir a ordem pública.

Com direito a palanque, Pai-Nosso e Hino Nacional, Oliveira empolgou-se com os aplausos: "É muita coragem fazer o que os senhores estão fazendo. Não é pra todo mundo. Só os fortes conseguem atingir seus objetivos. E vocês estão atingindo seus objetivos. Este movimento que aconteceu aqui vai ser um ponto de inflexão, não na história do Ceará, mas na história do Brasil".

Se isto realmente acontecer, dá para imaginar as consequências deste "ponto de inflexão".

Os 500 mil homens das PMs de todo o país, um contingente maior do que o das Forças Armadas, estarão a partir de agora liberados para reivindicar aumentos de salários, de armas na mão, encapuzados, mandando o comércio fechar as portas e ameaçando a população nas ruas, como fazem as milícias no Rio.

Antes da votação que colocou fim ao motim, o coronel já estava comemorando a "vitória" dos rebelados que infernizaram a vida dos cearenses, tornados reféns em suas casas pela sua própria polícia. "Acreditem: vocês são gigantes, vocês são monstros, vocês são corajosos!", exclamou.

Poucos dias atrás, Aginaldo de Oliveira saiu do anonimato ao se casar com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) num templo maçônico, tendo como padrinho o ministro da Justiça, Sergio Moro, a quem a Força Nacional é subordinada.

Nada mais é de se estranhar, ao lembrarmos que o ex-capitão Jair Bolsonaro foi, durante seus 28 anos como deputado, um combativo líder sindical dos quartéis policiais e militares na Câmara, considerado pelo ex-presidente Ernesto Geisel como "um mau militar".

Nestas duas semanas de rebelião policial no Ceará, a única intervenção do hoje presidente, além de assinar "a minha GLO", foi pedir ao Congresso que aprove logo o "excludente de ilicitude" para as forças de segurança —ou seja a licença para matar, sem temer punições da Justiça. Nenhuma palavra, nem dele, nem de Moro, para condenar o motim. Ao contrário.

Caso o coronel PM Aginaldo de Oliveira não seja imediatamente afastado do cargo, depois do seu discurso na confraternização com os PMs amotinados, não estará mais valendo a decisão do STF, referendando a Constituição, que proíbe greves de agentes de segurança pública.

Em vários outros estados, as Polícias Militares também estão reivindicando dos governadores não só aumentos de salários, mas privilégios iguais aos concedidos aos militares na Reforma da Previdência.

O único até agora que cedeu às pressões foi o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, do Novo. Para pacificar a tropa, ele foi logo concedendo um aumento de 41%, e não se fala mais nisso.

Os governadores poderão escolher: ou quebram de vez as contas públicas de seus estados, ou terão que enfrentar novos motins, agora abonados pelo diretor da Força Nacional de Segurança Pública.

Estamos entrando num quadro de completa anomia institucional, ao som de "La Vie En Rose", a música que tocou no casamento do coronel com a deputada, reunindo a fina flor de Brasília.

E quem vai dançar somos todos nós.

Vida que segue.