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'Largado e na miséria': o drama do bairro ilhado após Maceió afundar
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Para chegar à região do Flexal, em Maceió, é preciso cruzar um "bairro fantasma" ou pegar uma embarcação pela lagoa Mundaú. Isolados da cidade, moradores da região estão sofrendo há dois anos com a falta de serviços essenciais, como escolas e postos de saúde, e pedem para serem relocados, como ocorreu com as áreas vizinhas.
A situação acontece porque o bairro do Bebedouro foi desocupado por conta do afundamento gerado pela mineração de sal-gema da Braskem —e que expulsou 60 mil moradores de suas casas em cinco bairros.
Mas no Flexal, a população estimada em 9,5 mil pessoas segue morando no meio do nada, já que a Defesa Civil Municipal afirma que "até o momento não foi encontrada movimentação do solo na região."
Em outubro de 2022, a Braskem fechou um acordo com Prefeitura, Ministérios Públicos Federal e Estadual e Defensoria Pública da União para oferecer indenização de R$ 25 mil por família a título de danos materiais e morais pelo isolamento. Além disso, o texto prevê obras para revitalizar a região.
A proposta, porém, é rechaçada por moradores ouvidos pela coluna, que não querem seguir no bairro. Muitos se negam a aderir ao acordo.
O sentimento pode ser visto nas paredes pichadas, que trazem um pedido unânime: "realocação já" —são dezenas de casas e muros com essa frase.
Segundo Maurício Sarmento, 45, que é agente de saúde e líder comunitário, ninguém ouviu os moradores para fechar o acordo.
Tem pessoas aceitando [a indenização] por conta da vulnerabilidade. Se antes aqui já era uma região carente, com o isolamento ficou mais pobre ainda. Mas esse valor proposto é vergonhoso, inaceitável."
Maurício Sarmento
Sarmento fala que, desde que houve o isolamento, serviços públicos foram sendo perdidos. "Essa semana foi feito um protesto por conta da falta de água. Nunca vimos carro-pipa aqui, mas essa semana tivemos. E temos as ruas escuras, não há iluminação", conta.
No local já fecharam:
- 74 estabelecimentos comerciais;
- 1 posto de atendimento médico;
- 5 escolas públicas;
- 3 escolas privadas;
- 15 Igrejas;
- 1 centro de lazer;
- 1 Cras (Centro de Referência da Assistência Social).
Para cobrar um acordo diferente, a Defensoria Pública do Estado entrou com ação civil pública no último dia 15 de fevereiro pedindo indenizações de R$ 1,7 bilhão, sendo R$ 100 mil de danos morais para cada morador.
A ideia é cobrir também os danos materiais, como desvalorização das casas. Já pequenos comerciantes e prestadores de serviço perderam clientes ou fecharam seus negócios.
"Eu tinha aluno pela manhã, à tarde e à noite. Às vezes eram tantos que eu encaminhava para colegas. Hoje só tenho cinco pela manhã e três à noite", conta a professora do ensino fundamental Ana Lúcia da Silva, 52, que mora desde que nasceu no Flexal e tem uma sala de aula em sua casa para ensino de reforço.
Com a pobreza maior que tomou aqui o bairro, tive de baixar o valor da aula, que era R$ 80, e agora está entre R$ 40 e R$ 50 [por mês]. Tirava R$ 1.400 por mês antes do problema, até 2019, e hoje tiro R$ 500. É minha única renda".
Ana Lúcia da Silva
Durante a visita da coluna ao bairro, na quarta-feira passada, um detalhe que chamou a atenção foi a quantidade de água nas ruas —era um dia de sol. "Você deu sorte, hoje está pouca água", conta Abilene Costa, 58, que nasceu e se criou no Flexal.
A água é resultado do solo cedendo e danificando canos subterrâneos. "Essa água aqui é todo dia. E eles ainda querem que a gente fique aqui e dar uma mixaria para seguir com a residência comprometida", conta.
A coluna também encontrou no local casas com rachaduras, que estariam sendo causadas pelo afundamento na região. Uma das mais evidentes é a residência do pescador José Mariano dos Santos, 56, onde mora desde 2000.
"Eu fico com medo grande, a casa está estalando. Tem rachadura em todo canto, não há como seguir aqui mais, minha esposa está doente", diz.
"Falta de respeito"
Segundo o defensor público Ricardo Melro, autor da ação civil, houve um descaso com o povo da área. "Nesses dois anos, não houve qualquer tipo de ajuda. Até os ambulantes que atuavam lá foram evacuados"
O local foi largado e a população está em situação de miséria". Ricardo Melro, defensor público do Estado
Ele afirma que duas pesquisas mostraram que em torno de 80% da população quer sair da região por conta do isolamento.
"O abandono parece ser proposital para que a comunidade aceite qualquer coisa, como esse acordo que é muito ruim para os moradores. A própria comunidade ficou revoltada! Estão aceitando por fome e falta de esperança nos órgãos", diz.
Enquanto negociava o acordo, a Braskem autorizou um pagamento de R$ 7,1 bilhões de lucro entre os acionistas. É muita falta de respeito à população."
Ricardo Melro, defensor Público do Estado
Respostas
A Prefeitura de Maceió informou que acompanha a situação do Flexal e "busca soluções para minimizar os efeitos do ilhamento socioeconômico provocado pelo afundamento dos bairros vizinhos."
Para isso, diz que elaborou um projeto de revitalização e reurbanização e criou de linhas de ônibus exclusivas dos flexais. Diz ainda que a localidade contará com unidade básica de saúde, creche e Cras.
Ela defende o acordo como a melhor solução por conta do prazo de execução e supostos benefícios à população.
A Prefeitura acredita que a revitalização e reurbanização dos flexais são as melhores alternativas para a população manter os vínculos com a localidade em que mora, levando-se em conta que o plano prevê a regularização de serviços prejudicados pelo afundamento dos bairros vizinhos."
Já a Braskem disse que iniciou a implementação das 23 medidas socioeconômicas para "restabelecer a dinâmica socioeconômica da região."
"Já estão em andamento medidas como limpeza urbana e combate a pragas, adequação da iluminação pública, instalação de 29 câmeras de segurança, transporte escolar, serviço de apoio psicológico e distribuição de cartões para ônibus de uso exclusivo e gratuito para a população dos Flexais."
Sobre o acordo de indenização, diz que ele é "ingresso voluntário", mas que já aderiram 1.386 imóveis, de um total de 1.619.
Sobre a ação civil pública, a empresa alega que vai apenas "se manifestar nos autos do processo."
Sobre a falta de água e vazamentos nas ruas, a BRK informou que, "além de ser uma das áreas atingidas pelo afundamento do solo, ela também possui uma infraestrutura hidráulica muito antiga, necessitando, em alguns momentos, de reparos emergenciais que podem ocasionar paralisações temporárias no abastecimento."
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