Carlos Madeiro

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Gatos abandonados viram herdeiros das ruínas em bairros afundados de Maceió

Todos os dias, faça chuva ou sol, o músico Valfrido José Chaves, 55, e a esposa advogada Sandra Catão, 50, vão ao bairro do Bebedouro, em Maceió, alimentar os gatos abandonados após o bairro ser desocupado pelo afundamento de solo gerado pela mineração da Braskem.

"Herdeiros", os animais são hoje os únicos que vivem nas ruas e ruínas das casas abandonadas pelos moradores desde 2018 na região condenada da capital alagoana.

Segundo estimativas de ONGs, são cerca de 1,1 mil animais que ainda vivem nos cinco bairros afetados. Nesses locais, cerca de 60 mil pessoas deixaram suas casas e relocadas.

Esses gatos recebem alimentação, atendimento médico e são colocados para adoção, seja por ativistas, seja pelo programa de apoio criado pela Braskem e tocado pela Ufal (Universidade Federal de Alagoas).

Imóvel abandonado e com pintura é nova casa de gato no bairro de Bebedouro, em Maceió
Imóvel abandonado e com pintura é nova casa de gato no bairro de Bebedouro, em Maceió Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Comida diária

Por pelo menos 1h30 ao dia, Valfrido e Sandra passam por 15 ruas, com mais de 30 paradas, para deixar alimentos aos cerca de 70 gatos —todos, sem exceção, chamados pelo nome.

Bastam ouvir o som do carro chegando na rua no fim de tarde, que eles começam a sair das casas para esperar a comida —muitos também esperam carinho.

A gente começou isso dia 21 de outubro de 2020. A ideia era alimentar até a Braskem fazer isso, era algo provisório, mas aí fomos ficando, nos apegando. Não há dia que não venhamos. Chegamos a alimentar 150 por dia, mas muitos morreram, e outros foram adotados.
Sandra Catão

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Por dia, eles distribuem 10 kg de ração. O pacote custa R$ 90, e eles bancam isso com doações que recebem de apoiadores. (As informações para quem quiser conhecer melhor as ações e doar estão abaixo)

Fora isso, o casal ainda cuida de 34 gatos em casa, que estão disponíveis para adoção. "Muitas vezes não recebemos doações e usamos nossos recursos para dar a comida, mas não deixamos nenhum sem alimento", diz Sandra.

Valfrido alimenta gatos abandonados no bairro do Bebedouro, em Maceió, desde 2020
Valfrido alimenta gatos abandonados no bairro do Bebedouro, em Maceió, desde 2020 Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Mais apoio

Além do casal, há ONGs e outros ativistas particulares que ajudam e alimentam animais em outros bairros.

"Pelo menos 900 gatos já foram retirados das ruas, colocados em abrigos e adoção por essas ONGs", conta Elisa Moraes, da SOS Pet Pinheiro.

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A ONG tem também um abrigo, no bairro da Gruta de Lourdes, onde há 60 gatos. Todos estão disponíveis para adoção e são entregues após passar por uma consulta e receber vacinas e vermífugos.

Gato andando por ruas abandonadas de bairros em Maceió
Gato andando por ruas abandonadas de bairros em Maceió Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Quem ajuda a tratar os gatos —também de forma voluntária— é a veterinária Viviane Dâmaso. Ela explica que atende animais que vivem nas ruínas em várias situações, desde uma gestação com risco, a problemas de pele, depressão ou desnutrição.

O mais desafiador são os animais assustados que não confiam em nós, humanos; então temos que trabalhar esses traumas e tornar esses animais sociáveis para que sejam adotados.

Parceria

A Braskem informou que desde julho de 2020 tem parceria com a Ufal e a Fundepes (Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa), e criou o Programa de Apoio aos Animais nas áreas de desocupação.

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Nesse período, afirma que mais 7,6 mil animais já foram atendidos pelo programa, com mais de 4,3 mil castrações, por exemplo.

Os animais também são alimentados: são cerca 700 gatos que recebem ração em horários específicos em 80 pontos de dos cinco bairros afetados pelo afundamento. O fornecimento da alimentação ocorre de segunda-feira a sábado.

Gato em cenário de abandono no bairro do Bebedouro, em Maceió
Gato em cenário de abandono no bairro do Bebedouro, em Maceió Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Alguns dos animais recolhidos foram retirados e levados para uma fazenda da Ufal, em Viçosa, e colocados para adoção. Uma página no Instagram reúne fotos desses animais.

O professor da Ufal e coordenador do programa, Pierre Barnabé Escodro, explica que parte dos animais abandonados vieram de outros bairros, após a desocupação.

Hoje já contamos com o apoio da Polícia Civil, abrindo inquéritos sobre o abandono, maus-tratos. Infelizmente a natureza humana requer muita compaixão.

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Gatos vivem em meio a ruínas de casas abandonadas no bairro do Bebedouro, em Maceió
Gatos vivem em meio a ruínas de casas abandonadas no bairro do Bebedouro, em Maceió Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Ele explica que mesmo os animais levados para o abrigo sofrem com a perda de quem os criava.

A gente tem na fazenda um programa assistido de passeios, soltamos eles em um local grande. Mas qualquer animal tem sentimentos, eles sentem muita falta dos tutores. Por mais que tente fazer o melhor, um abrigo não é o local ideal para nenhum animal; é como colocar uma pessoa em um presídio.

Conheça mais os projetos e saiba como ajudar:

SOS Pet Pinheiro - PIX: 09083488438

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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