Carlos Madeiro

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Pastor terá de pagar R$ 100 mil por ligar religiões africanas a satanismo

O pastor Aijalon Berto Florêncio foi condenado pela Justiça de Pernambuco ao pagamento de uma indenização de R$ 100 mil, por dano moral coletivo, e a prisão em regime aberto por fazer discurso de ódio em rede social contra religiões de matrizes africanas.

A defesa do pastor informou que vai recorrer da decisão e considerou o valor "exacerbado".

O que aconteceu

O valor da indenização será destinado para ações de enfrentamento do preconceito contra religiões afro-brasileiras. A sentença condenatória foi dada pela juíza Ana Cecília Toscano Vieira Pinto, da Vara Criminal de Igarassu (PE).

A juíza ainda condenou o pastor a uma pena de 2 anos e 6 meses de reclusão em regime aberto e ao pagamento de 100 dias-multa (R$ 3,6 mil no total) além de uma indenização no valor de R$ 100 mil. Portanto, Florêncio terá de pagar R$ 103,6 mil, no total. A sentença saiu no dia 11 de setembro.

O pastor chegou a ficar preso por cinco meses, entre abril e setembro, por se recusar a cumprir, por duas vezes, ordens judiciais de retirada de conteúdos ofensivos e de ódio das suas redes sociais. Em abril, a Justiça autorizou busca e apreensão domiciliar, quebra do sigilo telefônico e a exclusão do novo perfil atualizado pelo condenado no Instagram.

A denúncia do MP (Ministério Público) Estadual foi motivada após membros de religiões de matrizes africanas pedirem a retirada de um vídeo em que o pastor chama de "reverência a entidades satânicas" o painel artístico "Do Orun ao Aiye: Afrika Elementar", instalado no Túnel da Abolição, no Recife, em 2021.

Xingamentos no vídeo publicado em 24 de julho de 2021. Aijalon associou as religiões afro-brasileiras, sacerdotes e fiéis a expressões como demônios, feitiçaria, répteis, animais abomináveis, demoníacos, malignos, satânicos e nefastos que pretendem escravizar.

Pinturas nas paredes internas do Túnel da Abolição, na zona oeste do Recife
Pinturas nas paredes internas do Túnel da Abolição, na zona oeste do Recife Imagem: Adelson Boris/Instagram

"Excedeu limites da liberdade de expressão"

O acusado atingiu "toda uma coletividade por meio do discurso de ódio fincado em preconceito à religião de origem africana", segundo a denúncia do MP à Justiça,

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Em sua defesa, o pastor argumentou que o discurso faz parte do direito à liberdade de expressão e afirmou que os termos "são extraídos de seu arcabouço de fé e da própria literatura que versa sobre as religiões de matriz africana". Entretanto, a juíza Ana Cecília Toscano Vieira Pinto não acolheu os argumentos do acusado.

Se de um lado a Carta Magna assegura a liberdade de fé do acusado, de outro norte também é garantido o direito de credo de todos aqueles que professam fés diversas, incluindo, por óbvio, as religiões de matriz africana.
Juíza Ana Cecília Toscano Vieira Pinto

A magistrada explica ainda que as liberdades —de credo ou de expressão— têm limites, "sobretudo na proteção da dignidade da pessoa humana, e o discurso de ódio incita adeptos de sua igreja ou credo a discriminar as religiões de matriz africana".

O acusado excedeu os limites da liberdade de expressão, de forma que sua fala não encontra guarida no direito constitucional ao proselitismo religioso. Trata-se, em verdade, de um discurso de ódio contra as religiões de matriz africana e seus praticantes, calcado fundamentalmente no preconceito aos deuses, símbolos e práticas dessas crenças.
Ana Cecília Toscano Vieira Pinto

Ameaças aumentaram após vídeo. A juíza ainda cita testemunhas da religião candomblé que disseram em juízo que as ameaças à comunidade religiosa de matriz africana cresceram após a circulação do vídeo e foi necessária a presença da polícia para protegê-los.

A conduta do réu comprometeu a integridade física dos adeptos das religiões de origem africana, deixando-os temerosos por suas vidas e para praticar seus cultos, notadamente porque, historicamente, são grupos já estigmatizados socialmente e perseguidos de formas diversas, sendo, não raramente, afugentados de seus locais de culto justamente em razão da discriminação como a praticada pelo acusado.
Ana Cecília Toscano Vieira Pinto

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O que diz a defesa

O advogado do pastor, Sergio Santiago, afirmou à coluna que vai recorrer da decisão da juíza. Ele criticou o valor arbitrado de indenização para um homem "que ficou cinco meses preso".

Dar um dano moral no valor de R$ 100 mil para uma pessoa desempregada, é melhor mantê-la presa. Estamos falando de um homem que não tem um carro, uma moto, uma bicicleta ou qualquer bem imóvel no seu nome. Respeito a sentença, mas desconsidero toda essa parte, tanto da pena [de prisão], quanto do valor, que ao ver da defesa é totalmente exacerbada.

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