Carlos Madeiro

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Medo, protestos e fake news: Maceió vive caos por risco de colapso em mina

Maceió mudou sua rotina após o anúncio na tarde de ontem de que uma das minas de salgema exploradas pela Braskem está em "risco iminente de colapso." O prefeito João Henrique Caldas (PL) decretou situação de emergência no município.

Estima-se que há a possibilidade de uma cratera gigante se abrir na superfície em uma área desabitada do bairro do Mutange, que fica numa região central da parte alta da cidade. Todas as ruas próximas foram fechadas, e o fluxo de pessoas no entorno está proibido, inclusive para técnicos.

A área que pode ser afetada fica ao lado da avenida mais movimentada da cidade, a Fernandes Lima; e vizinha a outros bairros residenciais que ainda estão ocupados. Há uma grande tensão porque um desabamento da mina teria consequências ainda imprevistas.

Em todas as redes sociais as pessoas perguntam sobre os riscos, e com isso uma verdadeira avalanche de fake news tomou conta dos grupos de WhatsApp, levando muitos moradores ao pânico e a deixarem suas casas de maneira voluntária.

Rua fechada que dá acesso ao bairro do Mutange, em Maceió
Rua fechada que dá acesso ao bairro do Mutange, em Maceió Imagem: Carlos Madeiro

Plano de contingência e protestos

O medo do que vai ocorrer levou a prefeitura a aplicar o plano de contingência e retirar moradores dos dois bairros mais próximos: Flexal e Bom Parto.

Uma decisão judicial deu ordem para que se use a força, caso moradores das áreas de risco resistam.

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Muitos moradores protestaram por serem retirados de casa no fim da noite, no bairro do Bom Parto. Vídeos mostram a polícia e a Defesa Civil conversando e tentando convencer eles a deixarem suas casas e irem para abrigos montados.

A situação foi parecida no bairro do Flexal, que ficou isolado econômica e socialmente e em que moradores já lutavam pela realocação, mas sem sucesso. Ontem, porém, tiveram de sair às pressas e à força.

A noite foi tensa para as pessoas que lá permaneceram. Eu tive que sair com minha família, mas não consegui dormir, recebendo relatos dos meus amigos que permaneceram lá.
Maurício Sarmento, morador e líder comunitário do Flexal

Maurício conta que já tramita — ainda sem decisão — uma ação civil pública para realocação do bairro e retiradas dos moradores com direito a indenização, como ocorreu com pessoas de cinco bairros vizinhos.

É um absurdo que está acontecendo. Nós fomos forçados a sair de nossas casas ontem sem qualquer indenização. No mínimo, eles deveriam nos dar o aluguel social para podermos ir para uma casa, não para um abrigo. O que aconteceu lá não é algo provocado pela natureza, foi algo provocado pela Braskem. Queremos uma solução.
Maurício Sarmento

Pichação pede realocação de moradores do Flexal
Pichação pede realocação de moradores do Flexal Imagem: Carlos Madeiro/UOL
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Hospital fecha, outro quer fechar

O Hospital Sanatório, um dos maiores particulares da cidade, foi evacuado às pressas, e os pacientes transferidos para outras unidades de saúde.

Ao mesmo momento, trabalhadores do hospital psiquiátrico Portugal Ramalho realizam um protesto pedindo realocação. A unidade está em um local que faz parte da área de risco, mas ainda continua esperando realocação.

Vocês já trabalham com risco pelo medo dos pacientes, imagine o medo de trabalhar no local. É um momento angustiante.
Silvia Melo, presidente do Sindicato dos Médicos de Alagoas em fala aos servidores

Protesto na frente do hospital Portugal Ramalho
Protesto na frente do hospital Portugal Ramalho Imagem: Arquivo pessoal
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Briga política

Em meio às ações, a briga política também ficou clara.

Rompidos, Prefeitura de Maceió e governo do estado montaram gabinetes de crise separados, que não se uniram em momento algum para tomar medidas conjuntas. Ambos, inclusive, anunciaram a vinda de equipe do governo federal como chamados próprios.

Até mesmo as reuniões das defesas civis ocorreram de forma separada.

Técnicos da Defesa Civil Nacional já estão em Maceió e devem auxiliar o grupo local. Técnicos do Serviço Geológico Brasileiro também foram acionados e atuam nos estudos da área para entender melhor o que está ocorrendo.

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Ainda visitam a capital alagoana hoje os ministros Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e Renan Filho (Transportes), além de Valder Ribeiro, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Regional.

Ladeira do Calmon, principal rota de saída do bairro do Mutange
Ladeira do Calmon, principal rota de saída do bairro do Mutange Imagem: Carlos Madeiro

Acidente traria danos incertos

Segundo o Dilson Ferreira, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), a mineração da Braskem já afetou 7% da área cidade, e ela deve crescer ainda mais, embora ele afirme que seja impossível saber o tamanho da extensão de um eventual desabamento da mina.

Você vai ter ali um deslocamento de solo em várias regiões que deve inviabilizar, inclusive, regiões próximas dos Flexais e Bom Parto. Mas a gente não tem noção da proporção. Caso ocorra um colapso grande, vai atingir boa parte daquela região e a gente não sabe até onde vai a zona de risco. Onde é que é seguro hoje? Ninguém sabe.
Dilson Ferreira

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Ele prevê, porém, que o ecossistema mais afetado será o da lagoa Mundaú, onde está 60% da área da mina que pode colapsar.

Do ponto de vista ambiental, possivelmente, com a entrada da água dentro do poço, como é de sal, pode ampliar a salinidade da lagoa, porque você vai misturar o material que está dentro das minas com a água da lagoa e pode ampliar a salinidade da lagoa e afetar todo o bioma.
Dilson Ferreira

Vista da lagoa Mundaú, em Maceió: Sururu virou coisa do passado
Vista da lagoa Mundaú, em Maceió: Sururu virou coisa do passado Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Tremores prenunciaram problema

Em meio a falta de clareza do que vai ocorrer, os moradores da região no entorno do Mutange, mas que não faz parte da área retirada, temem que um acidente cause problemas.

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O receio começou antes mesmo de ocorrer o anúncio, já que desde a semana passada tremores estão sendo sentidos na região. Ao menos cinco foram detectados, o mais forte deles no domingo passado.

Nesse último tremor [domingo], o estalo foi bem maior, como se uma porta estivesse batendo dentro do prédio. Tudo tremeu muito forte. A porta do meu armário e o meu ventilador de teto mexeram. Aqui todos estamos com medo e sem respostas ainda. Tem muita fake news circulando.
Mirra Ion, jornalista moradora de um prédio do bairro do Farol

Mirra Ion e sua mãe, a professora Lídia Santos de Oliveira, 57, mostram rachaduras no prédio ocorridas em 2021
Mirra Ion e sua mãe, a professora Lídia Santos de Oliveira, 57, mostram rachaduras no prédio ocorridas em 2021 Imagem: Carlos Madeiro

O que está ocorrendo em Maceió

A Defesa Civil de Maceió enviou mensagem por SMS e por WhatsApp hoje aos moradores da capital alagoana informando que uma das minas de salgema explorada pela Braskem está em "risco iminente de colapso" e pedindo que as pessoas não vão às proximidades da área.

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A extração de salgema do subsolo de Maceió gerou problemas de instabilidade de solo e afundamento de cinco bairros, que foram ou estão sendo total ou parcialmente desocupados.

As minas de extração de poços gigantes, após a extração do minério, foram tamponadas com um líquido. Entretanto, ao longo dos anos, esse líquido vazou e cavernas subterrâneas começaram a ser formadas, com vários desabamentos. Os tremores sentidos seriam justamente a acomodação do solo diante desses desabamentos subterrâneos.

Desde março de 2018, quando um tremor foi sentido e rachou casas e prédios, 60 mil moradores já deixaram a área. A Braskem, responsável pelo problema, passou a indenizar os moradores.

Casa é demolida no bairro do Mutange, bairro de Maceió onde o solo sofreu afundamento após mineração iniciada nos anos 1970
Casa é demolida no bairro do Mutange, bairro de Maceió onde o solo sofreu afundamento após mineração iniciada nos anos 1970 Imagem: Divulgação

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