Carlos Madeiro

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Pesquisa do CFM sobre vacina infantil escancara rixa de entidades médicas

Entidades médicas do país reagiram com duras críticas ao CFM (Conselho Federal de Medicina), que lançou uma pesquisa para saber a opinião dos profissionais sobre a vacinação infantil contra a covid-19. A imunização dos menores é considerada por especialistas uma medida imprescindível para reduzir mortes, gravidade de casos e a covid-19 longa.

O lançamento da pesquisa escancarou novamente o racha das entidades médicas no país. Elas seguem uma dinâmica polarizada que repete o ambiente político nacional desde o início da pandemia.

De um lado, o CFM adotou a posição de autonomia médica e foi criticado por insistir em não dar qualquer orientação para que médicos não receitassem remédios sem eficácia contra a covid-19, como foi o caso da cloroquina.

Por muitas vezes, a direção foi classificada como bolsonarista, não só por causa da cloroquina, mas também pelo silêncio nas demissões dos médicos Luiz Mandetta e Nelson Teich do comando do Ministério da Saúde —ambos se negaram a assinar protocolos indicando a droga como parte do tratamento.

Do outro, entidades científicas se uniram e publicaram notas alertando para a necessidade de se fazer protocolos seguros de tratamento, com uso de evidências e remédios com eficácia comprovada. A primeira nota contra a cloroquina, por exemplo, foi publicada em maio de 2020, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) defendia o remédio sem evidências.

Aliados a essas entidades, políticos de esquerda fizeram críticas ao CFM pela suposta omissão e classificaram o conselho como negacionista.

20.out.21 - Jair Bolsonaro e Mauro Luiz de Brito Ribeiro, então presidente e hoje tesoureiro do CFM
20.out.21 - Jair Bolsonaro e Mauro Luiz de Brito Ribeiro, então presidente e hoje tesoureiro do CFM Imagem: Marcos Corrêa/Presidência da República

Pesquisa irrita entidades

A nova rixa começou após o CFM lançar uma pesquisa no seu portal para saber da opinião dos médicos sobre a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19 em crianças de 6 meses a até 5 anos. Em 2024, a vacina nessa faixa etária foi inserida no PNI (Plano Nacional de Imunização).

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À época do anúncio da medida, em novembro de 2023, deputados bolsonaristas pressionaram a ministra da Saúde, Nísia Trindade, contra a inclusão da vacina e várias fake news sobre o imunizante passaram a circular na internet.

Ontem, a SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e AMB (Associação Médica Brasileira) publicaram nota conjunta afirmando que foram surpreendidas com a publicação da pesquisa do CFM.

As entidades alegam que o questionário, com quatro perguntas, "possibilita interpretações equivocadas, e sem perspectivas de fornecer conclusões baseadas em evidências científicas". Para elas, "a discussão sobre a obrigatoriedade da vacinação não pode se misturar com as recomendações e evidências científicas do benefício da vacinação".

Existem claras evidências que apontam os benefícios da vacinação pediátrica na prevenção das formas agudas da doença, reduzindo o risco de hospitalizações, bem como suas complicações em curto e longo prazo na população pediátrica. Estas evidências apontam a necessidade de que tenhamos vacinas atualizadas e disponíveis para o grupo de crianças menores de 5 anos, onde ainda temos uma proporção significativa de crianças nunca infectadas e sem doses de vacina.
Nota da SBI e AMB

14.01.22 - O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em evento que marca o início da vacinação infantil
14.01.22 - O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em evento que marca o início da vacinação infantil Imagem: Governo do Estado de São Paulo

A SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) comentou que, ao equiparar crenças pessoais à ciência, a pesquisa "pode gerar insegurança na comunidade médica e afastar a população das salas de vacinação".

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A SBIm entende que a pesquisa realizada pelo CFM não trará nenhum benefício à sociedade.
Nota da SBIm

O que diz o Conselho Federal de Medicina

Após as críticas, o CFM emitiu nota dizendo que mantém a pesquisa e argumentou que "não contesta a eficácia ou a decisão do Ministério da Saúde de disponibilizar a vacina para a população infantil".

O objetivo é compreender a visão dos médicos, como profissionais capacitados a manifestar opiniões embasadas em conhecimento técnico-científico, sobre a obrigação imposta aos pais para que as crianças nessa faixa etária sejam vacinadas contra covid-19, independentemente de prescrição médica.
CFM

A justificativa, porém, foi questionada por profissionais, como a infectologista Luana Araújo, que usou as redes sociais para dizer que a manutenção da pesquisa era uma "persistência na desfaçatez".

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Casos ainda preocupam

O último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde aponta que as maiores taxas de incidência de hospitalização por SRAG (síndrome respiratória aguda grave) por covid-19 está na faixa etária de menos de um ano e de maiores de 80 anos.

Em 2023, foram 5.006 hospitalizações e 135 mortes por covid-19 em crianças menores de cinco anos —metade delas crianças previamente saudáveis, sem nenhum fator de risco.

Importante frisar que, segundo os dados oficiais, não há óbitos de crianças relacionados com as vacinas covid-19 utilizadas no país.
Nota da SBI e AMB

Racha antigo

Durante o auge da pandemia, sociedades médicas especializadas lançaram protocolos em que alertavam para o risco do uso de medicações sem eficácia contra a covid-19, como foi o caso da cloroquina e da ivermectina.

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Já o CFM, com direção simpática ideologicamente ao então presidente Bolsonaro, negou fazer medida semelhante e defendeu a liberdade médica para receitar os medicamentos off label (fora da especificação original).

Por ser a entidade que regulamenta a profissão no país, o CFM foi cobrado por profissionais e entidades para publicar uma orientação sobre não usar medicações comprovadamente ineficazes contra a doença.

Recentemente, uma pesquisa publicada na Science mostrou que o uso da cloroquina foi responsável por 17 mil mortes em apenas seis países (não inclui o Brasil) na primeira onda da covid. O artigo sugere um aumento estimado em 11% na mortalidade das pessoas que fizeram uso da cloroquina durante tratamento em hospitais.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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