Carlos Madeiro

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Reportagem

Falência bilionária: mãe de Thereza Collor vê TJ-AL 'suspeito' e vai ao STF

A ex-esposa do empresário e ex-deputado federal João Lyra (morto em 2021) entrou com reclamação no STF pedindo para que a corte declare o Tribunal de Justiça de Alagoas incompetente para analisar atos relacionados à falência da usina Laginha. O relator do caso no Supremo Tribunal Federal é o ministro Nunes Marques.

No pedido, Solange Queiroz Costa — mãe da empresária Thereza Collor e de outros cinco filhos de Lyra — alega que o TJ-AL não pode julgar os incidentes do caso, já que a maioria dos desembargadores se declarou suspeita ou impedida de atuar no processo em algum momento.

A Laginha Agroindustrial S/A é um grupo empresarial formador por usinas e outras empresas que deviam, à época da falência, cerca de R$ 3 bilhões. Hoje, ela deve ao menos R$ 1,8 bilhão a 7.400 credores.

A empresa era a mais valiosa do antigo grupo João Lyra — e, por anos, foi a marca do poder do empresário em Alagoas. Em 2017, estava avaliada em R$ 1,9 bilhão (cerca de R$ 2,8 bilhões em valores atuais).

Deputado João Lyra (PSD-AL) tem patrimônio declarado de R$ 240 milhões; grupo deve R$ 1,2 bilhão
Deputado João Lyra (PSD-AL) tem patrimônio declarado de R$ 240 milhões; grupo deve R$ 1,2 bilhão Imagem: Divulgação

Ex-deputado federal mais rico do país, Lyra morreu aos 90 anos em consequência da covid-19, há quase três anos.

Desde a empresa que teve a falência oficialmente decretada em fevereiro de 2014, o processo vem sido marcado por polêmicas, que vão desde a disputa familiar pelo espólio a denúncias de irregularidades que levaram o caso ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

As filhas Thereza Collor e Lourdinha Lyra (inventariante da herança) romperam relações e travam uma briga judicial (leia mais sobre o caso abaixo). Neste caso, Solange está ao lado de Thereza na disputa, que envolve também a herança que ficará para a família (se sobrar recurso) após a quitação dos débitos das empresas falidas.

TJ-AL recuou em suspeições

Em maio, o desembargador Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho, relator dos agravos de instrumento do processo, solicitou que o TJ-AL julgasse se tinha competência ou não para seguir com análise dos casos, visto que, dos atuais 17 desembargadores, 11 haviam declarado suspeição e dois estão impedidos legalmente de atuarem no processo.

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Em sessão no dia 28 de maio, o plenário do TJ-AL se reuniu e cinco desembargadores voltaram atrás nas suspeições alegadas anteriormente e se colocaram como aptos. A corte estadual então se declarou competente para analisar os casos.

Se a maioria dos integrantes do tribunal surpreendente e curiosamente modificou o seu posicionamento anterior para contraditoriamente declarar o seu não impedimento/suspeição para julgar os incidentes da referida falência, deveria o incidente instaurado ser imediatamente remetido a esse e. STF, a quem incumbe julgá-lo originariamente.
Reclamação de Solange feita ao STF

Na votação no pleno, um relato do desembargador chamou a atenção: ele disse que teve o carro interceptado em via pública quando estava junto à sua esposa, na véspera da realização de uma audiência da falência da Laginha.

Fachada da usina Laginha, em Alagoas
Fachada da usina Laginha, em Alagoas Imagem: Beto Macário/UOL

Presidente que havia se declarado suspeito comandou votação

Na ação, os advogados de Solange dizem que "salta aos olhos" uma questão conflituosa que envolveria o presidente do TJ-AL, o desembargador Fernando Tourinho.

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Mesmo se declarando suspeito para atuar nos casos relacionados à falência, ele conduziu a análise da suspeição ou impedimento dos demais membros do tribunal.

Ora, se ele próprio era suspeito, por motivo de foro íntimo, como poderia presidir o julgamento para avaliação da parcialidade dos demais desembargadores?
Reclamação de Solange feita ao STF

Desembargador Fernando Tourinho, do TJ-AL
Desembargador Fernando Tourinho, do TJ-AL Imagem: Caio Loureiro/TJ-AL

A defesa de Solange cita ainda que um dos desembargadores mudou de declaração em um intervalo de apenas oito dias — o que alega levantar "sérias dúvidas acerca de sua parcialidade" e expor "o Poder Judiciário de Alagoas a um constrangimento e descrédito sem precedentes".

A assessoria do TJ-AL informou que Carlos Cavalcanti, relator do processo, "não se pronuncia sobre processo(s) pendente(s)."

Já sobre as reclamações feitas sobre Tourinho, ele responde que "não teve atuação jurisdicional nos processos relacionados à falência da Laginha em virtude de sua declaração de suspeição". "A atuação do presidente se limitou a verificar em sessão administrativa se os membros do tribunal estavam impedidos ou suspeitos para decidir os casos", diz.

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Análise deveria ser feita no STF, diz defesa

Para a ex-esposa de Lyra, ao colher as suspeições e decidir sobre seguir ou não no caso, o TJ-AL "invadiu a competência exclusiva" do STF. A defesa de Solnage diz que a falência da Laginha, além de ser um dos maiores processos do país, envolve outra questão: a "influência política e econômica que tinha seu fundador, João Lyra, e que tem a sua família no estado de Alagoas".

João Lyra foi sogro de Pedro Collor e influente deputado federal, senador, empresário e advogado naquela unidade da Federação, cujo patrimônio estimado superou a marca dos bilhões de reais.
Reclamação feita ao STF

21 mai.1992 - Pedro Collor de Mello, irmão do ex-presidente Fernando Collor
21 mai.1992 - Pedro Collor de Mello, irmão do ex-presidente Fernando Collor Imagem: Paulo Giandalia/Folhapress

A família alega que, por conta disso, "sempre houve justo receio de que o Poder Judiciário alagoano não tivesse condições institucionais de ficar imune às sensíveis questões locais envolvendo a falência da Laginha e acabasse resolvendo os litígios decorrentes do aludido processo sem a necessária imparcialidade".

Em 2021, o Comitê de Credores da massa falida da Laginha já havia apresentado reclamação no STF, alegando impedimento e suspeição de alguns desembargadores. A reclamação, porém, teve o seu seguimento negado porque não havia ainda declarações formais de suspeição.

Afastamento de juíza

O processo da Laginha é cheio de idas e vindas, que resultaram em afastamento de juízes e de administradores judiciais.

No último dia 12, foi a vez da juíza Emanuela Bianca Porangaba, que atuava na falência, ser afastada por suspeita de favorecimento a um escritório de advocacia. As suspeitas, porém, não são relacionadas ao caso da Laginha.

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O TJ-AL também afastou do caso os outros dois juízes da comissão, mesmo sem haver suspeita sobre eles, e determinou uma correição no processo.

Briga da família

Lourdinha Lyra  e Thereza Collor
Lourdinha Lyra e Thereza Collor Imagem: Divulgação/Arquivo pessoal

Em janeiro, a coluna revelou que Lourdinha entrou com uma queixa-crime contra a irmã Thereza acusando-a de calúnia e difamação. Lourdinha foi indicada como responsável pela administração do patrimônio de Lyra quando ele ainda era vivo.

À época da indicação, as empresas já estavam em profunda crise econômica. Dos 5 irmãos de Lourdinha, 4 dizem ter perdido a confiança nela e querem afastá-la do caso.

Hoje, parte da área da usina em Alagoas está ocupada por sem-terra, que lutam pela desapropriação para reforma agrária.

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