Estudo: Sobrecarga e exclusão de direitos agravam fome de mulheres negras

Mulheres negras que são chefes de família no Nordeste sofrem com a fome e a insegurança alimentar por razões que vão além da renda insuficiente, de acordo com um estudo produzido pela Associação Gênero e Número.
Dentre os fatores que pesam na rotina alimentar dessas famílias, estão:
- A sobreposição de jornadas de trabalho;
- A sobrecarga com tarefas de cuidados e afazeres domésticos;
- O acesso precário a transporte público e a distância até pontos de comércio de alimentos;
- A falta de acesso à saúde integral.
Tudo isso influencia na aquisição e no consumo de alimentos. Queremos posicionar essas nordestinas no centro do debate pelo acesso à comida de verdade. As perspectivas de gênero, raça e território não devem ser um recorte, mas a base das políticas públicas de combate à fome no nosso país.
Vitória Régia, presidente e diretora de conteúdo da Gênero e Número
Para chegar às conclusões, o estudo acompanhou quatro mulheres negras que moram na periferia da Grande Recife e são excluídas de direitos como habitação e saúde. A partir das histórias de vida delas, a pesquisa levantou o impacto de fatores que pesam no orçamento e acabam tirando dinheiro dessas famílias para comprar produtos ou bens essenciais.
O estudo combinou a experiência das mulheres com a POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) de 2018, do IBGE, que aponta que 57% das famílias chefiadas por mulheres negras no Nordeste sofrem com algum tipo de insegurança alimentar (de leve a grave). A média nacional para o mesmo grupo populacional é de 51%.

Em algumas categorias de insegurança alimentar, essa diferença chega a 25%, por exemplo, em comparação com outras. Então, os números oficiais já mostram que as mulheres negras chefes de família são as mais impactadas.
Vitória Régia, presidente e diretora de conteúdo da Gênero e Número
Filhos que necessitam de cuidados especiais
Maria da Conceição Mendes, 43, é uma das mulheres que foram acompanhadas pelo estudo. Ela mora em um barraco da ocupação 15 de Novembro, no bairro Arthur Lundgren 2, em Paulista (PE).
Com dois filhos autistas e um com TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), ela se acostumou a fazer contas todo mês para ver quanto sobra para comprar comida. "Eu comprei meu barraco parcelado, por R$ 4.000, mas ainda devo R$ 1.500. Pago R$ 100 todo mês", diz.

Conceição ganha R$ 700 de Bolsa Família. Ela ainda gasta mais R$ 135 em fraldas e remédios —como a área é de ocupação irregular, ela diz que não tem direito a receber os produtos pelo Poder Público.
Eles dizem que aqui é área descoberta [pela atenção básica] e, por isso, não podem mandar fraldas [para os filhos]. A gente mora em um lugar precário, mas não está aqui porque quer, mas porque necessita.
Maria da Conceição Mendes
Como o dinheiro que sobra fim de mês é pouco, ela admite que a maioria dos alimentos que dá a seus filhos são ultraprocessados, como salsichas e linguiças —que saem mais barato que carne.
Sou mãe solteira, meus filhos não se alimentam do jeito que eu gostaria. E não consigo trabalhar, porque eu não posso deixar as crianças sozinhas. Estou lutando para ver se eu consigo aposentá-los [torná-los beneficiários do BPC, o Benefício de Prestação Continuada].
Maria da Conceição Mendes

Segundo Vitória Régia, o estudo mostrou que as mulheres negras sofrem mais que qualquer outro grupo da população e, na prática, isso é impactado pela exclusão de serviços.
Ela cita que, nos nove estados do Nordeste, são mais de 6 milhões de mulheres negras responsáveis por suas famílias.
Casos como o de Conceição mostram que a renda é importante, mas que não é o único fator.
Vitória Régia

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