Carlos Madeiro

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Reportagem

Mensagens de líder de facção preso mostram veto a candidatos em João Pessoa

A Polícia Federal identificou mensagens por WhastApp de um líder da facção Nova Okaida, de dentro de uma prisão de segurança máxima da Paraíba, dando ordens para vetar o acesso a de candidatos a localidades de João Pessoa e para coagir eleitores a apoiar políticos ligados ao grupo.

As mensagens fazem parte da investigação da Operação Território Livre, deflagrada no último dia 19. As ordens são atribuídas ao preso Keny Rogeus Gomes da Silva, conhecido como Poeta — condenado a 36 anos de prisão em 2022 por comandar o crime organizado no bairro São José, inclusive já de dentro da na penitenciária Doutor Romeu Gonçalves Abrantes, conhecida como PB1.

A coluna teve acesso a parte das mensagens e áudios extraídos pela PF de celulares de suspeitos e a relatórios da investigação que detalham conversas de Poeta com a esposa, Pollyanna Monteiro Dantas dos Santos, presa com mais três pessoas na semana passada. Ela está hoje em prisão domiciliar.

Uma das pessoas suspeitas de atuar com a facção — e que está detida — é a vereadora Raíssa Lacerda (PSB). Ela é da base aliada do prefeito e candidato à reeleição, Cícero Lucena (PP). Ainda segundo a apuração, o grupo teria cargos dentro da Prefeitura de João Pessoa com ajuda do intermédio da vereadora — o que eles negam.

O apoio ofertado por Pollyanna e o Poeta consiste em controle territorial, como já demonstrado há franquia de acesso às comunidades só a alguns candidatos, e coação para o voto.
Relatório da PF

Policial federal em operação no bairro São José, em João Pessoa, área de influência da facção Nova Okaida
Policial federal em operação no bairro São José, em João Pessoa, área de influência da facção Nova Okaida Imagem: PF/Divulgação

Conversas revelam acordos

Segundo a PF, as mensagens mostram que Pollyanna e Poeta controlam quem pode ou não fazer campanha no bairro São José.

Na última das conversas captadas pela PF, em 9 de setembro, Poeta manda dizer a uma pessoa chamada Jonathan que ela está "proibida de pedir voto" e que candidatos ligados a ele não podem fazer campanha no local.

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Jonathan, uma boa tarde amigo pra você e seus familiares. Veja bem, não tem nada contra seu candidato, mas não dá certo não. No início, era pra ele ter procurado o dono da área, não outras pessoas. Poderia ser até você, mas acharam melhor agir de outra forma. Então nada dá certo. Obrigado e tenha uma ótima tarde. Deus abençoe você.
Mensagem de Poeta às 13h14 de 9 de setembro

No mesmo diálogo, Poeta diz à esposa que está falando pouco por estar "poupando bateria" do smartphone até o fim de semana, quando estaria prevista a chegada de um carregador. Procurada, a Secretaria da Administração Penitenciária não se pronunciou.

Outras mensagens mostram que há um veto do grupo a campanhas e adesão de outros candidatos, que não os acordados com a facção. No dia 5 de setembro, em uma outra conversa, Pollyana recebe de uma pessoa ligada ao grupo um vídeo de um carro de som fazendo campanha no bairro para o candidato Luciano Cartaxo (PT).

Ela então diz que, "se tivesse alguém do São José", mandaria o "nego" no local. Para a PF, nego é uma referência ao Poeta.

No último dia 11, candidatos adversários de Cícero afirmaram que eleitores estavam sendo impedidos de apoiá-los por medo das facções e atribuíram isso a um suposto acordo do prefeito com grupos criminosos para "vetar" acesso a áreas — o que ele nega.

Moradora envia vídeo para "alertar sobre carro de som de outro candidato na comunidade
Moradora envia vídeo para "alertar sobre carro de som de outro candidato na comunidade Imagem: Reprodução/PF
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Em outros trechos dos documentos da operação, o grupo afirma que está atuando para ajudar na reeleição do prefeito. Em um dos diálogos, Pollyana relata ter pago R$ 100 a uma eleitora para evitar "que ela falasse mal de Cícero [o prefeito, segundo a PF]".

O dinheiro do tráfico também estava sendo usado para abastecimento de veículos em carreatas políticas, segundo a PF. Em uma mensagem, Pollyana diz que "o Poeta vai abastecer cada moto, com vinte reais de combustível".

"Temos uma clara referência à compra de voto que ocorre às vésperas da eleição, ou seja, lavagem de dinheiro, utilização de recursos não contabilizados para compra de voto", afirmou o procurador regional eleitoral Renan Paes Félix, na segunda-feira (23) ao defender que o TRE negasse o pedido de habeas corpus de Raissa — a corte negou a solicitação da vereadora presa.

Suspeita de utilização de ONG

Segundo a PF, em conversa de junho, Pollyana exige que Raíssa dê um cargo a seu filho médico na Secretaria de Saúde. Para a polícia essa seria "a forma de pagamento que Raíssa teria que dar em troca do apoio do traficante".

Pouco tempo depois, o filho de Pollyana passou a atuar na Unidade de Pronto Atendimento Lindbergh Farias, contratado "por excepcional interesse público" e com salário bruto de R$ 12.060. A secretária de Saúde de João Pessoa é Janine Lucena, filha do prefeito, e investigada pela PF em outra operação, a Mandare, por suspeita de relação com a mesma facção.

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Raíssa em "m evento patrocinado pela facção criminosa", segundo a PF
Raíssa em "m evento patrocinado pela facção criminosa", segundo a PF Imagem: Reprodução/PF

Segundo a PF, Pollyana mantinha contato com Taciana Batista, presidente da ONG Ateliê Vida, também detida na operação. Em uma conversa em 6 de agosto, Poeta afirma que a ONG deveria dar dinheiro ao grupo, já que ela receberia recursos públicos como "forma de pagar pelo apoio dado no bairro".

A relação entre elas é evidenciada em outra conversa, na qual Taciana avisa a Pollyana que uma pessoa da comunidade fez propaganda de um determinado candidato a vereador em um grupo da comunidade. Pollyana então procura a pessoa e afirma que "vai resolver a questão com o Poeta".

Ele imediatamente se retrata, diz que não sabia que o grupo estava apoiando outros candidatos e se mostra assustado, repetindo várias vezes que não sabia da obrigatoriedade de apoio político aos candidatos do nosso grupo. Veja: um cidadão de um bairro da nossa cidade manifestou, em um grupo de WhatsApp dizendo que queria votar em determinado candidato, e aí ele recebe uma mensagem do líder da boca, que diz que não é por aí.
Relatório da PF

Para o procurador, as conversas trazem "diversos elementos" que apontam para uma "concessão de benesses para líderes de facções criminosas".

E em troca dessas benesses, a facção criminosa vai oferecer intimidação, vai oferecer terror, vai oferecer violência, vai limitar o livre exercício do voto por parte da sociedade. Em troca, eles dão a reserva do território.
Renan Paes Félix, procurador regional eleitoral

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Carro da PF cumpre mandado nesta quinta-feira (19) em João Pessoa
Carro da PF cumpre mandado nesta quinta-feira (19) em João Pessoa Imagem: PF/Divulgação

O UOL tentou contato com a assessoria da vereadora Raíssa, mas não obteve resposta. Em suas redes sociais, ela disse que está sendo vítima de uma "ardilosa perseguição" eleitoral.

"Raíssa não possui nenhuma ligação com as pessoas citadas no processo da operação Território Livre e a verdade virá à tona e será esclarecida. Todos saberão da índole de Raíssa Lacerda e de sua honestidade", informou a nota.

O prefeito Cícero Lucena nega as acusações e diz que está sendo alvo de uma campanha de fake news.

Mais uma vez nossos adversários tentam manchar minha imagem e, pior, a imagem da nossa cidade. Lamento profundamente que, em vez de debater propostas para o futuro de nossa cidade, nossos adversários tenham se unido para um festival de preconceito, mentiras e ataques às instituições.
Cícero Lucena, prefeito de João Pessoa

A Prefeitura de João Pessoa diz que há uma "tentativa de utilização de tais fatos para insinuar o envolvimento de qualquer autoridade do Executivo municipal com eventos dessa natureza".

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