A diplomacia deve "saber se renovar"
Por Danilo Sorato*
Era o final do ano de 1973, no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, quando Ernesto Geisel chamou para uma conversa exploratória seu futuro ministro das Relações Exteriores, Azeredo da Silveira. No seu tom habitual, discreto, o futuro chefe do Executivo em dado momento perguntou: "O que você pretende para o ministério?". Em tom cordial, mas firme, Azeredo respondeu: "O Itamaraty deve saber se renovar".
Nos anos seguintes, o Brasil se renovou em várias frentes. Em postura pragmática, foi o primeiro país sul-americano a estabelecer relações diplomáticas com a China comunista em 1974 e o primeiro país a reconhecer a Angola independente em 1975. Ao mesmo tempo, Silveira manteve linhas tradicionais do Itamaraty, como a busca pelo desenvolvimento. Mesmo em momentos tensos soube defender os interesses nacionais, como por exemplo na relação difícil com os Estados Unidos de Jimmy Carter a partir de 1977. Não havia espaço para submissão, tampouco para ideias alienígenas.
Realidade distante do que ocorreu nos últimos dois anos na política externa brasileira. Em invés de inovar dentro de certos parâmetros tradicionais, como a autonomia, o Itamaraty resolveu descartar os esforços de gerações anteriores. No último dia 22 de outubro, em discurso a jovens diplomatas da turma João Cabral de Melo Neto, o chanceler, Ernesto Araújo, defendeu ideias abstratas e distantes da realidade nacional, como o combate a forças globalistas e a luta contra uma suposta ameaça comunista.
A tradição do Itamaraty em seguir princípios gerais para formular objetivos e metas foi deixada de lado pela atual administração. Em seu lugar, ideias abstratas são impostas ao mesmo tempo que ações inconsequentes prejudicam os interesses do país, tais como o patrocínio de agendas reacionárias na ONU e o distanciamento dos vizinhos. Nesse sentido, nada se compara à relação de submissão aos Estados Unidos, movimento sem paralelo na história diplomática nacional.
No espírito de Azeredo da Silveira, a primeira versão do Programa Renascença propõe uma política externa pós-Bolsonaro. Com objetivos gerais e metas específicas, conjuga tradições e inovações, algumas delas ousadas, para além de polaridades esquemáticas. É um esforço em pensar a inserção internacional brasileira de forma que atenda necessidades de adaptação e transformação sem deixar de ser pragmático e realista.
Os pilares do Programa Renascença estão amparados no respeito aos princípios constitucionais e na boa tradição brasileira: defendem o estado democrático, o humanismo, o laicismo, o universalismo, a prevalência dos direitos humanos, a integração regional etc. Para além desses fundamentos, dialoga com temas essenciais da contemporaneidade ao priorizar redução de desigualdades e violências, respeito à diversidade e a busca por modelos de desenvolvimento sustentável.
Um mundo conflituoso não permite estratégias internacionais irracionais, pois os custos são irreparáveis. Para abrir caminhos para atuação mais eficaz no cenário mundial, é preciso moderação, um senso de direção bem desenhado. Trabalhar os difíceis temas da agenda internacional com o objetivo de atender reais necessidades internas. Com voz sensível perante outros países, mas firme na defesa dos interesses nacionais, o Brasil deverá se inspirar no lema de Silveira: "saber se renovar".
* Danilo Sorato é professor de história e pesquisador de política externa brasileira. Mestre em história pela Universidade Federal do Amapá (Unifap). Email: danilosorato@hotmail.com.
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