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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro imita Trump, mas democracia frágil no Brasil preocupa mais

Jair Bolsonaro e Donald Trump em coletiva de imprensa na Casa Branca - Reuters
Jair Bolsonaro e Donald Trump em coletiva de imprensa na Casa Branca Imagem: Reuters

Colunista do UOL

12/08/2021 04h00

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Há uma máxima que apregoa que muitos dos fenômenos do mundo desenvolvido chegam aos países em desenvolvimento com algum atraso. Se, por muito tempo, isso fazia sentido quando o assunto era tecnologia e inovação, por exemplo, percebemos que o processo se manifesta, cada vez mais, também em matéria de estratégias políticas.

Desde que foi eleito no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro mimetiza Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos. Requenta o despojamento típico dos populistas, aposta na comunicação sem filtros nem intermediários, articula narrativas negacionistas e conspiratórias. Tanto Bolsonaro quanto Trump elegeram-se a partir de um discurso anti-establishment, antiglobalista e buscando articular um público conservador, particularmente ressentido pelas mudanças sociais das últimas décadas.

Uma vez no poder, ambos flertaram com movimentos autoritários e entraram em rota de choque com os demais poderes e instituições. Sempre que acuados, os dois presidentes seguiram um mesmo script: radicalizaram o discurso em direção às bases de apoio, incitando descrédito generalizado, manobras diversionistas e trabalhando com a criação de inimigos comuns a serem combatidos.

No contexto de superpolarização e dos efeitos imediatos causados pela crise de coronavírus nos Estados Unidos, Trump sucumbiu. Perdeu as eleições e deixou a Casa Branca. Acusado de ter incitado a rebelião que culminou na invasão do Congresso norte-americano no começo de 2021, enfrentou um processo de impeachment, além de ter sido banido permanentemente das redes sociais, ferramentas fundamentais para energizar seu eleitorado.

Desde então, Trump agarrou-se às denúncias de fraude eleitoral. Perdeu todos os processos judiciais que iniciou, e, na ausência de quaisquer indícios que comprovassem suas acusações, entrou para os anais da história como apenas "mais um mau perdedor".

Se, por um lado, as semelhanças com o que estamos testemunhando no Brasil são alarmantes, por outro, são especificamente as diferenças entre as duas experiências que assustam ainda mais.

Trump desafiou o sistema em diversas ocasiões, mas não foi capaz de capturá-lo. Ao contrário, foi por vezes contido pela força e maturidade das instituições, que deixaram claro a precedência do Estado ante ao governo. Encontrou resistência mesmo entre os correligionários de seu próprio partido. Quando esticou demais a corda, não teve o respaldo de importantes lideranças republicanas, nem de seu próprio vice-presidente. Como é de se esperar em estruturas consolidadas, foram os adultos da sala que garantiram a transição pacífica e democrática de poder nos Estados Unidos.

A democracia brasileira é mais jovem e também mais frágil. Em que pese uma infinidade de outras máculas que mancham a história norte-americana, não há, nos Estados Unidos, uma memória viva de regime autoritário nem viúvos saudosos de uma ditadura que resistiu até poucas décadas atrás. O papel das Forças Armadas é, nesse contexto, totalmente distinto, assim como os afetos relacionados aos militares. Também é o caso da relação com o Judiciário, em torno do qual as disputas são bastante diferentes nos dois países. Além disso, o sistema político-partidário brasileiro estabelece dinâmicas próprias muito relevantes. Perpetua um modelo de barganhas que, por vezes, é pernicioso à capacidade de freios e contrapesos mútuos entre os Poderes.

No Brasil, o timing da pandemia também é outro. Trump não tinha a seu favor os efeitos da vacinação em massa, nem a reação dos mercados. As eleições de 2022, no Brasil, ocorrerão em um contexto que parece apontar para um aumento do controle da doença e uma curva de recuperação econômica. Não são dados irrelevantes em um contexto de contestação política e formação de alianças.

Biden, o oponente de Trump nas eleições de 2020, não era exatamente um candidato carismático nem popular, ao contrário. Isso foi visto como uma de suas principais vantagens, do ponto de vista de estratégia de campanha, na disputa contra o incumbente. Não estimulou uma corrida eleitoral agressiva nos termos que Trump desejava ou tentou pautar. Biden apenas prometeu restaurar o "velho normal", em um contexto em que isso parecia remeter à certa estabilidade. No Brasil, temos Lula, que está longe de ser um pacificador de ânimos.

Por fim, também é importante sublinhar que, do ponto de vista da própria carreira, Bolsonaro não é Trump. Ainda que tenha saído perdedor do pleito presidencial, Trump desfrutava de um prestígio anterior no meio empresarial e político de Nova York. Deixou o poder com perspectivas diversas, inclusive de um dia retornar a Washington, na medida em que converteu boa parte do partido republicano ao trumpismo.

Bolsonaro tornou-se presidente por acidente. Não desfruta de reconhecimento pregresso e, ao perder o cargo, será relegado à insignificância anterior. Não tem relações políticas fortes, fala para um grupo cada vez mais limitado e nem sequer está filiado a um partido. Como tem muito mais a perder do que Trump, pode estar disposto a ir mais longe do que ele.

A pergunta que merece ser feita não é apenas "estariam as instituições funcionando normalmente?", mas se isso é suficiente para o que vem pela frente.