Embaixador do Brasil fez boicote a evento que homenageou Marielle em Paris
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O embaixador do Brasil na França, Luis Fernando Serra, decidiu cancelar sua participação em um evento em Paris com acadêmicos ao descobrir que haveria uma homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018 no Rio.
A informação consta de telegramas internos enviados pelo diplomata ao Itamaraty, em Brasília. As mensagens fazem parte de 17 documentos que a chancelaria foi obrigada a fornecer, depois que bancada do PSOL solicitou oficialmente os telegramas internos, instruções e documentos sobre possíveis orientações do Itamaraty a seus postos no exterior sobre o que deve ser dito em relação à morte de Marielle.
No dia 6 de agosto de 2019, o embaixador em Paris indicou que ocorreria o Congresso da Associação de Brasilianistas na Europa. O evento, segundo o documento, reuniria 540 professores e estudiosos do Brasil residentes no continente europeu.
"Convidado para assistir à cerimônia de encerramento do Congresso, fui informado de que o evento ocorrerá em local cedido pela prefeitura de Paris, com a presença da prefeita Anne Hidalgo (Partido Socialista)", escreveu.
"Na ocasião, após a palestra final da conferência, deverá ser dada a palavra à prefeita para "prestar homenagem à brasileira Marielle Franco".
"Na ocasião, a prefeita tornará pública a localização de jardim da capital francesa que receberá oficialmente o nome da vereadora brasileira", explicou. "Ante o exposto, tomei a iniciativa de cancelar minha participação no referido evento."
Brasil não foi convidado à inauguração de praça em Paris
No dia 26 de setembro, um novo telegrama seria enviado de Paris para a chancelaria no Brasil. Nela, o embaixador informaria sobre a inauguração da praça, que ocorre no dia 22 de setembro.
"A embaixada do Brasil não foi contatada ou convidada para a cerimônia de inauguração do Jardim Marielle Franco na capital da França", explicou.
Essa não é a primeira vez que o embaixador do Brasil em Paris se envolve em temas relativos à vereadora. No começo do ano, a senadora francesa Laurence Cohen, do Partido Comunista e presidente do grupo interparlamentar de amizade França-Brasil, havia enviado uma carta à embaixada em Paris. Ela questionava o governo sobre as investigações relativas ao assassinato da vereadora.
No dia 3 de fevereiro, a senadora publicou em seu perfil no Twitter um trecho da carta que recebeu como resposta a seus questionamentos. Serra respondeu agressivamente à legisladora francesa, afirmando que era com "profunda consternação" que observava "que o assassinato de Celso Daniel e o ataque à vida de Bolsonaro não tiveram o mesmo eco na França que o assassinato de Marielle, que foi até objeto de uma mobilização da Assembleia Nacional", apontou.
Telegramas vêm à tona após pedido de deputados
Em fevereiro, deputados brasileiros liderados por Fernanda Melchionna (PSOL-RS) enviaram uma carta ao chanceler Ernesto Araújo, solicitando informações sobre a existência ou não de instruções que o governo tem passado a seus postos no exterior sobre como tratar questões relativas ao assassinato.
Os deputados também solicitaram todos os documentos, telegramas e comunicações com orientações emitidas pelo Itamaraty sobre o tema.
Em 30 de março, o chanceler Ernesto Araújo respondeu ao pedido do PSOL. Mas ele não esclarecia se havia uma orientação específica e nem colocou à disposição os telegramas solicitados. No texto, a chancelaria apenas indicava que uma resposta à senadora foi preparada "com base em informações sobre o andamento das investigações".
Insatisfeita com a resposta do Itamaraty, a bancada do PSOL voltou a protocolar um novo pedido de informação, alertando Araújo para o fato de que "configura crime de responsabilidade a recusa, ou o não atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas, de pedidos escritos de informações a ministros de Estado".
Itamaraty monitora reportagens sobre Bolsonaro no mundo
Agora, o material foi entregue. Houve, inclusive, uma mudança na classificação de sigilo dos documentos. No dia 6 de julho de 2020, um deles passou de "reservado" para "ostensivo", o que permite o acesso na íntegra.
Os documentos internos da chancelaria também revelam que o Itamaraty está monitorando a imprensa estrangeira de uma forma detalhada, principalmente quando o assunto é a suposta relação da família Bolsonaro com milícias.
No dia 14 de março de 2019, a embaixada do Brasil em Estocolmo informou ao Itamaraty em Brasília que uma matéria no jornal sueco Dagens Nyheter traz "graves insinuações de vínculos do senhor presidente com facções criminosas do Rio supostamente envolvidas no crime".
No texto, o diplomata chama de "investida irresponsável e leviana".
Citações sobre o caso Marielle e milícias
O jornal havia apontado que os dois policiais detidos na investigação sobre Marielle "fazem parte de esquadrão das morte — as chamadas milícias" e que "podem estar associadas ao presidente". O texto conta como um deles morava no mesmo condomínio do presidente e ainda cita que "um dos filhos do presidente, senador Flavio Bolsonaro, apoia as milícias do Rio".
"Tenciono enviar nova carta de repúdio ao referido periódico em que condenarei os ataques feitos à pessoa do presidente Jair Bolsonaro", assina no telegrama o embaixador do Brasil, Nelson Antonio Tabajara de Oliveira.
Dias depois, o diplomata enviou nova carta ao Itamaraty para explicar que seu protesto resultou numa alteração no texto. Ao final do artigo, a redação incluiu um trecho que que diz:
"As relações em torno de Bolsonaro referidas por essa matéria são alegações de supostos relacionamentos e acusações sobre estas conexões".
Em Roma, embaixador mandou carta a jornal
O embaixador comemorou e escreveu à cúpula da diplomacia, indicou que "por mais refratário o contato com o corpo diplomático que possa ter a imprensa local, essa alteração mostra que a observação atenta ao conteúdo publicado [pode] corrigir inverdades e falsas informações".
Algo similar ocorreu meses depois, na Itália. Em 13 de fevereiro de 2020, a embaixada do Brasil em Roma informa ao Itamaraty sobre um artigo no jornal La Repubblica, no qual se fazem "ilações difamatórias" em relação ao presidente Bolsonaro. O embaixador, no telegrama, revela que mandou uma carta à redação do jornal.
Na comunicação, ele ainda repudiou o artigo e disse que defende a liberdade de imprensa.
Nos últimos meses, episódios semelhantes foram registrados na Espanha, França e em outros países, com embaixadores enviando cartas para protestar aos jornais contra reportagens sobre Bolsonaro.
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