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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Comunidade internacional teme que caos político aprofunde crise sanitária

14.nov.2019 - O presidente Jair Bolsonaro participa de evento (Diálogo com o Conselho Empresarial do BRICS) com os presidentes dos países do BRICS, Cyril Ramaphosa (Africa do Sul), Narendra Modi (Primeiro Ministro da Índia), Vladmir Putin (Rússia) e Xi Jinping (China) durante reunião de cúpula do grupo, no Palácio do Itamaraty. - Pedro Ladeira/Folhapress
14.nov.2019 - O presidente Jair Bolsonaro participa de evento (Diálogo com o Conselho Empresarial do BRICS) com os presidentes dos países do BRICS, Cyril Ramaphosa (Africa do Sul), Narendra Modi (Primeiro Ministro da Índia), Vladmir Putin (Rússia) e Xi Jinping (China) durante reunião de cúpula do grupo, no Palácio do Itamaraty. Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Colunista do UOL

30/03/2021 04h00

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Resumo da notícia

  • Enquanto o governo vivia transformação, OMS publicava números que mostravam que 38% das mortes no mundo ocorreram no Brasil em 24 horas
  • Nome de novo chanceler é recebido com hesitação e temores de que política externa continue sob as diretrizes da ala mais radical do bolsonarismo
  • Novo ministro da Saúde acenou que quer comprar mais vacinas da Covax

A queda de ministros no Brasil, em pleno auge da pandemia, chama a atenção internacional, enquanto governos estrangeiros e instituições internacionais tentam entender o que ocorre com o maior país da América Latina e como as mudanças afetarão o combate contra a covid-19 no país.

Enquanto as trocas no governo eram realizadas, a OMS publicava seus novos números da pandemia, revelando que 38% das mortes em 24 horas no mundo tinham ocorrido no Brasil, um país que representa apenas 2,7% da população mundial.

Na OMS, a preocupação é de que, com o caos político, qualquer ação para lidar com a pandemia seja afetada, adiada, redesenhada ou alvo de disputas políticas.

Se o dia de ontem começou com a queda do chanceler Ernesto Araújo e deu esperança em interlocutores no exterior de uma eventual troca na condução da diplomacia, as mudanças em outras pastas consideradas como chave, principalmente entre militares, acenderam o alerta de embaixadas estrangeiras. O clima de certa comemoração foi substituído pela palavra "tensão".

A situação sanitária já havia colocado o Brasil como uma ameaça internacional. Mas a nova crise política agora abre temores de que o país mergulhe numa crise institucional e uma disputa pelo poder.

Entre os estrangeiros, também foi destacado o fato de que, ao se despedir, o ex-ministro da Defesa, Fernando Azevedo Silva, insistiu em dizer que tentou preservar "as forças armadas como instituições de estado". A frase foi interpretada como uma senha para uma mensagem clara de que os militares estavam em desacordo com os rumos do presidente Jair Bolsonaro. As mudanças em cascata aprofundaram, nos meios diplomáticos, as dúvidas e questionamentos.

"No momento em que o Brasil precisava lutar contra um inimigo comum, o que fica claro é que as instituições estão derretendo", disse à coluna um embaixador estrangeiro em Brasília. "Todas nossas capitais já foram alertadas da situação do país", completou.

A avaliação é de que, se Bolsonaro for colocado em uma posição de vulnerabilidade, poderia recorrer a "gestos irresponsáveis".

Mais pragmáticos, outros temem simplesmente que a crise sanitária seja uma vez mais relegada a um segundo plano, adiando qualquer ação mais concreta do país para acelerar a vacinação ou impôr medidas de restrição.

No Itamaraty, um nome sem peso

Já no Itamaraty, a escolha de Carlos Alberto Franco França foi recebida com hesitação. O diplomata é conhecido por ser uma pessoa afável. Mas nunca chefiou uma embaixada do Brasil no exterior, nunca foi subsecretário e nem chefe de departamento na chancelaria. Seu cargo mais alto foi o de chefe do Cerimonial, um posto sem qualquer peso político ou papel na formulação das diretrizes da política externa.

A preocupação dentro do Itamaraty é de que ele tenha sido escolhido para apenas atender às orientações dadas por Eduardo Bolsonaro e outras figuras centrais no desenho da estratégia internacional do Brasil.

"Qualquer um que assuma o cargo terá agora de passar dias ao telefone, refazendo o que foi destruído e reconstruindo o Brasil no mundo", disse à coluna um ex-comissário da UE, que pediu anonimato. "A pergunta é se essa pessoa tem os contatos suficientes para fazer isso", alertou.

Na prática, ao apostar em se submeter aos interesses de Donald Trump e de transformar o Itamaraty numa das trincheiras do bolsonarismo, o Brasil foi rapidamente se colocando numa situação de isolamento.

Uma das esperanças, especialmente entre franceses e alemães, é de que o Brasil volte a ser um ator de relevância na defesa do multilateralismo. Embaixadores do governo de Emmanuel Macron indicaram que tinham feito um convite ao Itamaraty para que o Brasil integrasse um grupo de países comprometidos no fortalecimento do direito internacional, das regras e das instituições como a ONU, OMS e tribunais internacionais.

Mas o governo de Jair Bolsonaro se recusou, com Araújo insistindo que esse espaço tinha como objetivo minar a soberania nacional.

O chanceler também criticou qualquer ação que significasse dar maiores poderes ou papel central para as agências internacionais. Entre suas teses estava a de que isso seria uma forma de promover um agenda progressista e impôr decisões a governos. "A pandemia mostrou os limites das apostas de Araújo", disse um diplomata europeu.

Não por acaso, na OMS, a esperança é de que a chegada de um novo ministro da Saúde e o fim do comando de Araújo no Itamaraty reabra as portas para uma colaboração maior entre a agência e o governo brasileiro.

Marcelo Queiroga, novo chefe da pasta da Saúde, já chegou a indicar à OMS que está considerando ampliar as compras de vacinas do Brasil do mecanismo multilateral criado pela agência, a Covax.

Empresas estrangeiras e mesmo governos pela Ásia relataram como, nos últimos meses, passaram a ser procurados não pelo Itamaraty. Mas por alianças de governadores regionais e até prefeitos. "A sensação que dava era de que não eram mais os diplomatas brasileiros quem falavam em nome do país", admitiu um laboratório asiático, produtor de insumos.

Damares ainda pode influenciar

No debate sobre direitos humanos, essa condição de pária também ficou escancarada, em especial depois do fim do governo de Trump. Sob Araújo, o Brasil saiu de um pacto de imigração e rompeu com posições sobre o direito das mulheres.

O Itamaraty ainda foi uma peça central na construção de uma aliança ultraconservadora, com a meta de impedir que saúde reprodutiva e sexual fossem mencionadas em qualquer tipo de documento internacional.

Mas uma mudança nesse aspecto pode não ser simples. Damares Alves, ministra de Direitos Humanos, é um dos motores dessa opção política e o caminho adotado não dependerá apenas do Itamaraty.

O governo ainda sabe que precisa atender à sua base evangélica e ultraconservadora, o que dificulta certas decisões.

Outro desafio será a questão ambiental, ponto central hoje no debate internacional. A percepção de governos estrangeiros é de que não haverá mais espaço para uma postura negacionista por parte do governo de Jair Bolsonaro sobre a importância do tema. Caso contrário, o país começará a sofrer perdas econômicas reais. "Não haverá acordo com a UE enquanto esse tema não for superado de forma positiva", alertou um membro da Comissão Europeia.