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Jamil Chade

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Desinformação é ameaça existencial para democracia brasileira

Palácio do Planalto; fachada do Palácio do Planalto - diegograndi/Getty Images
Palácio do Planalto; fachada do Palácio do Planalto Imagem: diegograndi/Getty Images

Colunista do UOL

21/10/2022 15h49Atualizada em 21/10/2022 17h40

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A eleição é o momento no qual um cidadão escolhe quem, em seu nome, irá legislar ou governar. Há, porém, um aspecto central desse processo: o eleitor ou a eleitora vão às urnas em pleno controle de suas consciências.

Mas e se elas foram hackeadas? E se essas consciências, inundadas por desinformação que explodem nas redes sociais, tiverem sido manobradas? Neste caso, há ainda como falar em voto consciente? Há ainda como falar em democracia?

O que existe, portanto, diante de nós nesses próximos dias é tão desafiador quanto profundo.

O que está em jogo no dia 30 não é apenas a escolha do novo presidente do Brasil. Mas se o sistema é capaz de resistir ao movimento de desinformação, se as instituições darão uma resposta e se, de fato, o voto estará preservado da mentira sistemática, estruturada e deliberada.

O estupro da democracia por meio da desinformação não é um assunto exclusivo ao Brasil. O debate é intenso na Europa, EUA, Filipinas e em dezenas de outros países pelo mundo e consolida uma realidade que não condiz com as esperanças e sonhos daquelas campanhas políticas que, há quase 20 anos, consideraram quase de uma maneira utópica que os instrumentos digitais iriam ampliar, fortalecer e consolidar a democracia.

O que poucos previam é que esse mesmo instrumento foi usado para manobrar o consumo e, eventualmente, visões de mundo.

De repente, ficou claro que, para garantir uma eleição livre e justa, não bastava mais apenas monitorar o comportamento da imprensa e quantos minutos uma rádio daria para esse ou aquele partido. Apenas nos EUA, usando o compartilhamento de vídeos e informações, Donald Trump conseguiu o que equivalente a US$ 2 bilhões em divulgação gratuita de suas ideias, usando as redes sociais.

Num país onde 45% do consumo de notícias ocorre pelo Facebook, a erosão democrática passou a ser uma realidade. O "fact-checking", ainda que útil, não é suficiente. Todos os estudos mostram que todos nós temos a pré-disposição em acreditar em coisas que confirmar nossa visão de mundo. Em informações que reconfirmem o que eu penso.

E estados e os serviços de inteligência sabem disso.

Basta lembrar que, para a eleição americana de 2016, os russos compraram 3,4 mil espaços de publicidade no Facebook e Instagram, com uma influência sobre 126 milhões de pessoas no Facebook, 20 milhões no Instagram e 1,4 milhão no Twitter. As suspeitas ainda apontam que Moscou publicou mais de mil vídeos no YouTube.

Não existe outra palavra para designar o que aconteceu: manipulação, na esperança de direcionar a opinião do eleitor por meio da desinformação.

Se o objetivo foi atingido ou não, a realidade é que, pelo caminho, os danos ficaram para a democracia. Semear a dúvida sobre um sistema sólido de votos é minar a própria eleição.

Numa definição ainda elaborada pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, os estados são obrigados a garantir que eleitores possam formar sua opinião de maneira independente, livre da ameaça de violência ou de qualquer indução.

O que seria a desinformação, portanto, senão uma ameaça a tudo isso?

No Parlamento Europeu, ficou definido que a "interferência eleitoral pode ser definida como formas injustificadas e ilegítimas de influenciar a mente das pessoas e as escolhas dos eleitores, reduzindo assim a capacidade dos cidadãos de exercer seus direitos políticos".

Ou seja: mentiras deliberadamente usadas como estratégia de poder.

"Isto significa que o direito de voto deve ser exercido sem interferência nas liberdades de pensamento e opinião, com o direito à privacidade e sem discurso de ódio. O uso da desinformação por parte de muitos governos contradiz esta injunção", completou o Parlamento.

Os europeus vão além. Não basta evitar o uso da desinformação como estratégia. O estado tem a obrigação de proteger o cidadão contra tais práticas, como condição para garantir, no século 21, a realização de eleições livres.

A desinformação que, diante das novas tecnologias, tem a capacidade de criar realidades paralelas, é hoje uma arma de guerra. Em qualquer sociedade, diferentes ideologias são possíveis. A diversidade é a nossa fortaleza. Mas se não existe um consenso mínimo sobre o que é a realidade, o que existe é um colapso de todos os pilares que sustentam a coesão de uma sociedade.

No Brasil, estamos descobrindo em cada tuíte, em cada postagem e em cada mentira, que a desinformação não apenas tem o potencial de decidir uma eleição. Mas, acima de tudo, representa uma ameaça existencial para a democracia.