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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Com Biden, Lula tem teste real de diplomacia em temas como China e Ucrânia

REUTERS/Agustin Marcarian
Imagem: REUTERS/Agustin Marcarian

Colunista do UOL

09/02/2023 09h43Atualizada em 09/02/2023 12h41

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá, a partir de hoje em Washington, o primeiro grande teste de sua diplomacia. O brasileiro desembarca na capital americana e, na sexta-feira, se reúne com o presidente dos EUA, Joe Biden.

O petista desfilou por Buenos Aires com ares de uma volta triunfal à América Latina e foi recebido com braços abertos pela comunidade internacional na Conferência da ONU, no Egito, ávida pelo fim do negacionismo climático.

Nos EUA o cenário é outro. Haverá um entendimento amplo sobre temas como a defesa da democracia, a ampliação do comércio e um compromisso sobre meio ambiente.

Mas o petista sofrerá a pressão de um dos líderes mundiais em temas como Venezuela, Cuba, Ucrânia ou China.

China

A Casa Branca se apressou para receber Lula e tentar atrair o Brasil para sua aliança ocidental. Em entrevista ao UOL, o acadêmico Noam Chomsky afirmou que Biden conduz neste momento uma verdadeira guerra contra a China.

Seria inconcebível para Washington permitir que Lula fosse recebido primeiro em Pequim, onde um encontro de grande impacto está sendo preparado.

Mesmo sem conteúdo suficiente para anunciar acordos ou novas iniciativas, Biden acelerou o processo para a visita, num encontro que, de fato, vai durar apenas duas horas e nem sequer será seguido por almoço ou recepção.

Oficialmente, os dois presidentes vão se reunir e instruir suas equipes a iniciar uma série de diálogos para restabelecer a relação bilateral. Bolsonaro havia ecoado as mentiras de Trump de que a eleição de Biden tinha sido fraudulenta e passou a ser ignorado pela Casa Branca.

O desembarque de Lula muda os cálculos. A Casa Branca não hesitou em dar todo seu apoio ao processo democrático no país e mandou recados claros aos militares que não aceitaria um golpe.

Se em parte o interesse era genuíno na defesa da democracia, o cenário também é visto como uma "oportunidade" para Biden conseguir barganhar uma certa relação com o Brasil, mais próxima de seus interesses.

Já no caso de Lula, a volta ao cenário internacional passa de forma obrigatória por uma nova relação com os EUA. Mas sua visita também tentará mostrar que não se trata de um alinhamento automático e nem de uma relação na qual ele estaria "em dívida" com os americanos pela defesa da democracia.

Biden ainda convidará Lula para sua cúpula da democracia, em março. Trata-se de uma espécie de front criado pela Casa Branca para formar um bloco que possa se opor no cenário internacional ao avanço da influência da China.

Maior parceiro comercial do Brasil, Pequim já mandou sinais claros que quer, com Lula, o estabelecimento de uma parceria estratégica e ampliar sua participação e influência na economia brasileira.

Lula, cujo discurso nas eleições foi marcado pela defesa da democracia, não terá como recusar o convite. Mas colocará em risco seus planos com Pequim se decidir encampar com ardor a agenda de Biden.

Ucrânia

Diplomatas de ambos os lados concordam que um tema em que não deve haver um ponto de acordo é a guerra na Ucrânia. Lula vai desembarcar com o mesmo discurso que já usou nos encontros com líderes da Alemanha e França:

  • O Brasil considera que a invasão da Ucrânia pela Rússia foi ilegal;
  • O Brasil quer fazer parte dos esforços de paz, não da operação de guerra;
  • O governo está disposto a fazer parte de um bloco de países emergentes que possam buscar caminhos de diálogo, incluindo a China.

Mesmo dentro do Itamaraty, há um reconhecimento de que Biden não vai topar, neste momento, abandonar os esforços de guerra, já que um de seus objetivos é o de enfraquecer os russos.

A Casa Branca, de seu lado, vai pressionar o Brasil a se aproximar dos ucranianos, seja por meio político, diplomático ou mesmo comercial.

Cuba e Venezuela

Sobre a região latino-americana, Lula vai dizer para Biden que não está de acordo com sua política sobre Cuba e que caminhos de diálogo precisam ser estabelecidos.

Outro tema que entrará na agenda é a situação da Venezuela. De fato, esse foi um ponto que uniu Bolsonaro e Trump, numa ofensiva contra Nicolás Maduro que também significava uma tentativa de romper a relação existente entre China, Rússia e Caracas. O ex-presidente brasileiro reconheceu Juan Guaidó e fechou os postos diplomáticos do Brasil no país vizinho.

Lula reverteu as duas decisões e prega uma normalização das relações com os venezuelanos.

Do lado de Biden, a Casa Branca continua a denunciar o regime de Maduro. Mas com dificuldades em termos de acesso à energia por parte da Rússia e ciente do fracasso da pressão sobre Caracas, vozes em Washington não descartam uma flexibilização da posição dos EUA em relação aos venezuelanos.

De fato, a Casa Branca passou a dialogar com o regime de Maduro antes mesmo de o Brasil retomar as conversas. Segundo diplomatas, o tema não deve resultar ainda numa declaração conjunta ou nova iniciativa. Mas a esperança é de que o diálogo possa ser iniciado sob uma nova perspectiva.