Jamil Chade

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Cúpula ameaça fracassar e Brasil assume G20 em mundo dividido e empobrecido

Nesta semana, após uma tensa negociação entre a cúpula da ONU e técnicos da entidade, o departamento que se ocupa de ajuda humanitária na instituição decidiu que não havia alternativa: o dinheiro havia terminado e a assistência para um total de 10 milhões de afegãos estava suspensa.

O caso, porém, é apenas um espelho de um fracasso coletivo da organização para convencer os países ricos a garantir recursos para que alimentos, remédios ou cobertores cheguem a milhões de pessoas pelo mundo.

Em 2023, a ONU estima que precisa de mais de US$ 50 bilhões para sair ao resgate de 250 milhões de pessoas. Mas, faltando apenas quatro meses para acabar o ano, apenas 30% dos recursos foram enviados.

É neste cenário de colapso dos organismos internacionais, de tensão militar, de empobrecimento de milhões de pessoas, do salto da fome e de uma profunda rivalidade entre países que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva assume a presidência do G20.

Neste fim de semana, o governo da Índia realiza sua cúpula, que também marca o fim de sua presidência. Mas o evento corre o sério risco de se transformar num fiasco.

Ainda que oficialmente o governo brasileiro comece a organizar as reuniões a partir de dezembro, será neste domingo que Lula fará um discurso para delinear as prioridades da presidência do Brasil no bloco que representa mais de 80% da economia mundial.

Três pilares vão nortear a presidência de Lula no bloco:

Luta pela reforma dos organismos internacionais

Combate à fome e desigualdade

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Compromisso com mudanças climáticas

Mas, entre diplomatas e negociadores de mais de cinco países consultados pelo UOL, a constatação é de que o sistema internacional "faliu" e que as cúpulas esvaziadas apenas representam um espelho dessa fragmentação internacional.

"O que é complicado não é o G20. É o mundo", disse ao UOL o assessor especial da presidência, Celso Amorim. "Que é complicado, isso é verdade. Essa complicação se exprime pela tentativa de reviver o G7", constatou.

Segundo o embaixador, um dos motivos do esvaziamento do G20 seria o esforço dos países ricos de levar, ao G7, parte da pauta que estava sendo tratada por mais de uma década no grupo que envolve as 20 maiores economias do mundo.

Esse não seria o único motivo. Sinal dessa tensão é a decisão do presidente da segunda maior potência do mundo, Xi Jinping, de não comparecer à cúpula. O motivo seria uma rivalidade com os indianos e uma indicação de que Pequim não está disposta a servir de trampolim para o governo ultranacionalista de Nova Deli.

G7 se recusa a aceitar proposta de declaração final e cúpula corre risco de fracassar

A guerra na Ucrânia também contaminou todo o processo negociador da declaração final, que corre até mesmo o risco de não ser alvo de um consenso. Vladimir Putin não estará presente. Mas sua diplomacia já deixou claro que Moscou vetará qualquer texto final que não reflita sua visão sobre o que ocorre em Kiev. O alerta foi dado por Sergey Lavrov, chanceler russo.

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Para americanos e europeus, não existe a possibilidade de que o principal encontro de líderes no mundo não faça referência à guerra e à invasão promovida por Putin. O grupo, segundo eles, precisa condenar a "invasão ilegal".

De acordo com diplomatas de Bruxelas, as negociações estão sendo "duras" e apontam que o rascunho da declaração apresentada pelos indianos não foi suficiente para convencer o G7 a aceitar o texto.

Os europeus tampouco aceitaram a proposta dos russos de que o G20 seria apenas um bloco econômico e que, portanto, questões geopolíticas não deveriam entrar na agenda.

Diplomatas indianos revelaram que tentarão, nas próximas horas, chegar a um texto de consenso. Mas negociadores europeus não expressam otimismo e o processo negociador foi concluído entre os técnicos sem um acordo.

Uma opção é que a cúpula termine apenas com um texto que faça um resumo do que cada um disse.

Ou seja, sem acordo.

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Mas nem os EUA e nem os europeus desembarcam numa situação de força para impor qualquer tipo de agenda. Capitais rivais ao Ocidente sabem que Joe Biden terá de se concentrar nos próximos meses a garantir que Donald Trump não volte à presidência, enquanto os governos europeus buscam alternativas aos custos da guerra em sua fronteira.

Enquanto isso, a fome aumenta no planeta pela primeira vez em anos e atinge mais de 750 milhões de pessoas. Já o número de refugiados e deslocados chega a uma marca inédita de mais de 110 milhões de pessoas.

Os impasses devem ser ainda transferidos de Nova Déli para Nova York, onde ocorre na semana seguinte a Assembleia Geral da ONU. Ali, uma vez mais, as profundas disparidades entre os países e a rivalidades inclusive bélicas prometem aflorar, uma vez mais.

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