Jamil Chade

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Maduro intensificou repressão na Venezuela, conclui investigação da ONU

Num momento em que o Brasil e outros atores internacionais buscam garantias de que o governo de Nicolás Maduro respeitará regras de transparência para realizar eleições em 2024, a ONU anunciou hoje o resultado de sua investigação e concluiu que a repressão aumentou na Venezuela.

Nesta quarta-feira, a Missão Internacional Independente de Apuração de Fatos da ONU sobre a Venezuela apresentou seu novo informe e, apesar de lamentar o fato de que Caracas não colaborou com as investigações, aponta que:

Os ataques ao espaço cívico e democrático na Venezuela estão se intensificando por meio de políticas de Estado destinadas a silenciar a oposição e as críticas ao governo do presidente Nicolás Maduro.

A investigação foi criada em 2019 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU e, nos últimos meses, investigo supostas violações relatadas no país entre janeiro de 2020 e agosto de 2023.

De acordo com o informe, "há motivos razoáveis para acreditar que pelo menos 5 privações arbitrárias de vida, 14 desaparecimentos forçados de curto prazo e 58 detenções arbitrárias foram cometidas durante esse período".

A Missão também documentou 28 casos de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante de detentos, incluindo 19 casos de violência sexual e de gênero contra homens e mulheres no mesmo período.

As conclusões estão divulgadas num momento em que Brasil, Colômbia e mesmo os europeus tentam garantir um compromisso por parte de Maduro de que o processo eleitoral será respeitado e que a oposição terá chances reais de concorrer aos postos.

Mas a forma pela qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu Maduro em Brasília e apontou que havia uma "narrativa" contrária a ele deixou ativistas de direitos humanos preocupados.

Um grupo da oposição chegou a se reunir com autoridades brasileiras para insistir que a repressão não era uma "narrativa".

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Para negociadores, porém, as denúncias foram usadas nos últimos anos de forma política para enfraquecer Maduro e, eventualmente, deslegitimar seu governo. Na avaliação de diplomatas, tal uso tampouco favorece a uma solução negociada para a crise política que o país atravessa.

A constatação dos inspetores, porém, é de que a situação de direitos humanos não melhorou. "As graves violações de direitos humanos continuam ocorrendo na Venezuela", disse Marta Valiñas, presidente da missão. "Nos últimos anos, esses incidentes têm sido mais direcionados contra certos membros da sociedade civil, incluindo líderes sindicais, jornalistas e defensores dos direitos humanos", explicou.

"Os mecanismos de repressão continuam a existir, tornando o monitoramento internacional dos direitos humanos na Venezuela mais crucial do que nunca", destacou.

A crise política e de direitos humanos na Venezuela sofreu uma mudança no final de 2020 e início de 2021, marcada pela interrupção dos protestos em massa da oposição e dos atos de rebelião e insurgência. Em períodos anteriores, táticas de repressão "linha dura" foram empregadas para silenciar as vozes da oposição por meio da prática de crimes, conforme amplamente documentado pela Missão.

Agora, o que o informe alerta é que "as estruturas repressivas do Estado não foram desmanteladas, e o governo recentemente intensificou os esforços para reduzir o espaço cívico e democrático, restringindo as liberdades individuais e coletivas e aumentando o controle e as restrições sobre o trabalho dos defensores dos direitos humanos, das organizações da sociedade civil, dos sindicatos, da mídia e dos partidos políticos".

Segundo o informe:

Ameaças, vigilância e assédio contínuos, juntamente com difamação e censura, têm sido empregados pelo Estado para silenciar, desencorajar e sufocar qualquer oposição real ou percebida.

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"Juntos, esses dois tipos de mecanismos - "duros" e "brandos" - formam um aparato opressivo do Estado, que é usado com diferentes níveis de intensidade, de acordo com a natureza e a força da dissidência social", disse Francisco Cox, especialista da Missão. "Isso mostra a capacidade do Estado de se adaptar para silenciar as críticas."

Um dos casos destacados pelo informe é o de um grupo de seis sindicalistas que exigiam melhores condições de trabalho. Eles, porém, foram condenados em 1º de agosto de 2023 a 16 anos de prisão depois de terem sido arbitrariamente presos e maltratados por mais de um ano.

"Ao criminalizar a participação em atividades legítimas, o Estado está silenciando e criando um efeito inibidor sobre qualquer pessoa que possa considerar participar de qualquer atividade que possa ser percebida como crítica ao governo", disse Patricia Tappatá Valdez, especialista da Missão.

"A falta de independência e as ações deliberadas das instituições judiciais e constitucionais, incluindo a Controladoria e o Conselho Nacional Eleitoral, restringem a capacidade dos líderes sociais e políticos de atuarem livremente. Essa dinâmica sufoca e suprime o debate político", alertou.

Preocupação sobre eleição de 2024

Esse contexto é particularmente alarmante no momento em que a Venezuela se aproxima das eleições presidenciais de 2024. Pelo menos três candidatos da oposição foram desqualificados pelo Conselho Nacional Eleitoral, juntando-se a outros políticos conhecidos que estão proibidos de concorrer a cargos públicos.

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Em seu relatório de 2020, a missão identificou as Forças de Ação Especial (Faes) da Polícia Nacional Bolivariana (PNB) como uma das estruturas mais envolvidas em execuções extrajudiciais, entre outras graves violações de direitos humanos, no âmbito de operações de segurança para combater o crime.

Nesse mesmo relatório, a missão documentou a participação das Faes em detenções arbitrárias de pessoas contrárias ao governo, algumas das quais foram submetidas a atos de tortura ou maus-tratos pelos serviços de inteligência do Estado.

Em sua atualização em março, a Missão constatou que, apesar da suposta dissolução da Faes em 2022, há indícios de continuidade entre essa força de segurança e a nova Diretoria de Ações Estratégicas e Táticas (Daet) da PNB, criada em julho de 2022. A DAET, segundo os inspetores, tem funções semelhantes e usa o mesmo modus operandi que a Faes. "Preocupantemente, sua cadeia de comando também inclui oficiais das Faes e de outras forças de segurança que foram identificados no relatório de 2020 da Missão como envolvidos em graves violações de direitos humanos e, em alguns casos, em crimes contra a humanidade", disse.

"A transformação da Faes em Daet é uma mera mudança de nome que demonstra a persistente impunidade e a continuação de graves violações de direitos humanos", disse Marta Valiñas. "É imperativo monitorar as ações da Daet para garantir que ela não aja em violação das obrigações internacionais do Estado venezuelano com relação à proteção e ao respeito aos direitos humanos."

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