Jamil Chade

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Mundo vive recorde de pessoas afetadas por conflitos e diplomacia fracassa


Nos primeiros dias de 2023, numa reunião fechada na ONU, uma alta funcionária da instituição alertou aos governos que estavam na sala. A própria razão de ser da entidade estava ameaçada. O motivo: nunca, desde a Segunda Guerra Mundial, o planeta viveu tantos conflitos armados como hoje. No total, 2 bilhões de seres humanos vivem em situações de guerra, um quarto da humanidade.

O alerta era de Amina Mohamed, subsecretária-geral da ONU, numa constatação que deixou negociadores e diplomatas constrangidos.

Hoje, enquanto assistimos o drama de famílias israelenses e palestinas, a constatação é de que os mecanismos, canais ou relações de poderes que existiam para estabelecer o diálogo estão soterradas. Organismos criados ainda em 1945 não dão mais respostas, enquanto uma nova realidade de poder e novas hegemonias regionais abalam as placas tectônicas em todos os continentes.

De acordo com o Instituto para Economia e Paz, 2022 já havia sido o ano com o maior número de mortes em conflitos desde o genocídio em Ruanda, em 1994. Foram 238 mil, das quais 100 mil ocorreram na guerra no Leste da África, atingindo a região de Tigray. O segundo lugar foi da Ucrânia, com 83 mil.

Conflitos estão ainda cada vez mais internacionalizados, com 91 países envolvidos de alguma forma com situações de guerra ou confrontos no exterior. Em 2008, eram apenas 58 países nesta situação. Em 2022, o custo da violência chegou a US$ 17,5 trilhões, 13% do PIB do planeta. Mais de R$ 10 mil por pessoa, em perdas.

O valor é suficiente para erradicar a pobreza e a fome, dois sonhos da humanidade.

Mais de 70 anos depois da criação da entidade que tem como meta manter a paz no mundo, a realidade é que o sistema de segurança coletiva faliu.

Desde o final da Guerra Fria, nunca se gastou tanto em armas como hoje: mais de US$ 2,2 trilhões. Nunca tantas crises humanitárias ocorreram de forma concomitantes, com a ONU solicitando US$ 55 bilhões para sair ao resgate de 250 milhões de pessoas. Nunca, desde 1945, tantas pessoas estiveram deslocadas ou refugiadas como agora: 110 milhões.

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Haiti, Ucrânia, Iêmen, Síria e Israel/Palestina, além das tensões no Kosovo, Azerbaijão e tantos outros pontos do planeta mostram um mapa da incapacidade da comunidade internacional em estabelecer entendimentos. Não por acaso, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, tem insistido em suas reuniões: o mundo está em um ponto chave de sua história.

Nos corredores da ONU, um embaixador me desafiou há poucos dias com uma pergunta:

Quando foi a última vez que celebramos um acordo de paz no mundo?

Horas depois de eu publicar esta coluna, um discurso aqui na ONU nesta segunda-feira apenas confirmou tudo o que havia dito. Falando aos governos, o alto comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi, alertou que a situação "vai piorar", diante do colapso da diplomacia. Transcrevo um dos trechos de sua intervenção:

O mundo está cada vez mais dividido, fragmentado e voltado para dentro.

Muitos políticos retratam a cooperação como capitulação.

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Eles fomentam guerras culturais para dividir em "nós e eles".

Eles toleram (se não defendem) o racismo, a xenofobia, a desinformação, a desinformação, o ódio religioso e o discurso de ódio.

Mas o mundo de hoje - dividido como está - está menor do que nunca. A emergência climática, a pandemia da COVID-19 e os choques econômicos mostram isso. E, ainda assim, as conversas e as ações continuam a ser egoístas e míopes.

Minhas fronteiras.

Meu país.

Meus recursos.

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E assim, em vez de lhes falar sobre soluções resultantes de acordos de paz e boa governança, do respeito aos direitos humanos, do progresso em educação, saúde, proteção do planeta e outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, venho aqui ano após ano e tenho de falar sobre um número cada vez maior de refugiados e pessoas deslocadas que fogem da violência e das guerras.

O Sudão hoje.

Ucrânia no ano passado.

Ou a Etiópia no ano anterior.

Ou a Síria, Mianmar, o Sahel, o Sudão do Sul, o Afeganistão, a República Democrática do Congo e muitos outros antes disso.

A situação global é realmente terrível, e está piorando. As pessoas estão sofrendo, e os humanitários estão sendo solicitados a juntar mais pedaços em mais partes do mundo e a tentar mantê-los unidos por mais tempo. Frequentemente, somos solicitados a fazer isso sozinhos, na ausência de soluções políticas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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