2023 é o ano mais quente e planeta já vive 'colapso climático', diz ONU
O ano de 2023 quebrou recordes climáticos e, acompanhado por condições extremas, deixou um rastro de devastação e desespero. Essas são as conclusões da OMM (Organização Meteorológica Mundial) que, às vésperas da Conferência da ONU sobre o Clima (COP28), publica hoje seu relatório sobre Estado do Clima Global.
O documento confirma que 2023 será o ano mais quente já registrado. Os dados até o final de outubro mostram que o ano ficou cerca de 1,4ºC acima da linha de base pré-industrial de 1850-1900.
A diferença entre este ano e 2016 e 2020 —classificados anteriormente como os mais quentes— é tamanha que dificilmente os últimos dois meses do ano vão afetar o recorde em 174 anos de registro observacional.
As coisas estão avançando tão rapidamente que, a um mês antes do final do ano, já podemos declarar que 2023 é o ano mais quente registrado na história da humanidade.
António Guterres, secretário-geral da ONU
Prestes a receber líderes de todo o mundo, ele deixou claro seu desespero: "Estamos vivendo um colapso climático em tempo real —e o impacto é devastador", afirmou. "O relatório de hoje mostra que estamos em apuros."
De acordo com a agência, os últimos nove anos —de 2015 a 2023— foram os mais quentes já registrados. O evento de aquecimento El Niño, que surgiu durante a primavera do Hemisfério Norte e se desenvolveu rapidamente no verão, provavelmente alimentará ainda mais o calor em 2024.
O calor extremo afetou muitas partes do mundo. Alguns dos mais significativos eventos ocorreram no sul da Europa e no norte da África. As temperaturas na Itália chegaram a 48,2°C, e foram registradas temperaturas recordes em Túnis (Tunísia) 49°C, Agadir (Marrocos) 50,4°C e Argel (Argélia) 49,2°C.
Mais do que apenas estatísticas
O ano viu ainda a quebra de todos os antigos recordes, em diversos aspectos avaliados pela ONU.
Os níveis de gases de efeito estufa estão em níveis recordes. As temperaturas globais estão em níveis recordes. O aumento do nível do mar é recorde. O gelo marinho da Antártida está em um nível recorde. É uma cacofonia ensurdecedora de recordes quebrados.
Corremos o risco de perder a corrida para salvar nossas geleiras e controlar o aumento do nível do mar. Não podemos voltar ao clima do século 20, mas devemos agir agora para limitar os riscos de um clima cada vez mais inóspito neste e nos próximos séculos.
Petteri Taalas, secretário-geral da OMM.
Em sua avaliação, o impacto de tudo isso é imediato. "O clima extremo está destruindo vidas e meios de subsistência diariamente, o que ressalta a necessidade imperativa de garantir que todos estejam protegidos por serviços de alerta precoce", disse.
As principais conclusões dos cientistas
Temperaturas globais mensais recordes foram observadas no oceano —de abril a outubro. Em terra, entre julho e outubro.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberJunho, julho, agosto, setembro e outubro de 2023 superaram o recorde anterior para o respectivo mês por uma ampla margem em todos os conjuntos de dados usados pela OMM para o relatório climático. Julho é normalmente o mês mais quente do ano em todo o mundo — portanto esse mês em 2023 tornou-se o mais quente já registrado.
Os níveis de dióxido de carbono estão 50% mais altos do que na era pré-industrial, prendendo o calor na atmosfera. A longa vida útil do CO² significa que as temperaturas continuarão a subir por muitos anos.
As concentrações observadas dos três principais gases de efeito estufa —dióxido de carbono, metano e óxido nitroso— atingiram níveis recordes em 2022, o último ano para o qual estão disponíveis valores globais consolidados. Dados em tempo real mostram que os níveis dos três gases continuaram a aumentar em 2023.
Em 2023, o nível médio global do mar atingiu recorde no registro de satélite (desde 1993), refletindo o aquecimento contínuo, bem como o derretimento de geleiras e camadas de gelo. A taxa de aumento do nível médio do mar nos últimos dez anos (2013-2022) é mais que o dobro da taxa de aumento do nível do mar na primeira década do registro de satélite (1993-2002).
As temperaturas médias globais da superfície do mar estavam em um recorde de alta observada para a época do ano, começando no final da primavera do Hemisfério Norte. De abril a setembro, todas tiveram um recorde de calor, e os recordes de julho, agosto e setembro foram quebrados por uma grande margem (cerca de 0,21°C a 0,27°C). Um calor excepcional foi registrado no leste do Atlântico Norte, no Golfo do México, no Caribe e no Oceano Antártico, com ondas de calor generalizadas.
O conteúdo de calor do oceano atingiu seu nível mais alto em 2022, o último ano completo disponível de dados em 65 anos. "Espera-se que o aquecimento continue — uma mudança que é irreversível em escalas de tempo centenárias a milenares", afirma a agência da ONU.
A extensão do gelo marinho na Antártica atingiu em fevereiro um recorde absoluto de baixa para a era dos satélites (desde 1979). A partir de junho, a extensão do gelo atingiu recorde de baixa para a época. O máximo anual em setembro foi de 16,96 milhões de km², cerca de 1,5 milhão de km² abaixo da média de 1991-2020 e 1 milhão de km² abaixo do recorde anterior, de 1986.
A extensão do gelo marinho no Ártico permaneceu bem abaixo do normal, com as extensões máximas e mínimas anuais de gelo marinho sendo a quinta e a sexta mais baixas já registradas, respectivamente.
As geleiras no oeste da América do Norte e nos Alpes europeus passaram por uma temporada de derretimento extrema. Na Suíça, as geleiras perderam cerca de 10% de seu volume remanescente nos últimos dois anos.
Caos climático já muda de forma profunda a sociedade
Na avaliação da ONU, a mudança do clima exacerbou os problemas de segurança alimentar, os deslocamentos populacionais e os impactos sobre as populações vulneráveis.
O chefe da entidade pediu nesta quinta-feira aos líderes que se comprometam com ações urgentes. Ainda há esperança, disse ele.
Vimos comunidades em todo o mundo serem atingidas por incêndios, enchentes e temperaturas escaldantes. O recorde de calor global deveria causar arrepios nos líderes mundiais.
Temos o roteiro para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C e evitar o pior do caos climático.
Precisamos que os líderes deem o tiro de partida na COP28 em uma corrida para manter vivo esse limite.
António Guterres, secretário-geral da ONU
Ele pediu que as Nações Unidas estabeleçam expectativas claras para a próxima rodada de planos e se comprometam:
- com as parcerias e o financiamento para torná-los possíveis;
- a triplicar as energias renováveis e a dobrar a eficiência energética;
- a eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, com um cronograma claro alinhado ao limite de 1,5 grau.
Eventos extremos em todo o mundo
As elevadas temperaturas não foram os únicos problemas. "Os eventos climáticos causaram grandes impactos em todos os continentes habitados -- e incluíram grandes enchentes, ciclones tropicais, calor e seca extremos e incêndios florestais associados", diz o informe.
Grécia, Bulgária, Turquia e Líbia -- as inundações associadas às chuvas extremas do ciclone mediterrâneo Daniel. Houve perda de vidas sobretudo na Líbia em setembro.
Madagascar, Moçambique e Malaui — o ciclone tropical Freddy, em fevereiro e março, foi um dos ciclones tropicais de maior duração do mundo. O ciclone tropical Mocha, em maio, foi um dos ciclones mais intensos já observados na Baía de Bengala.
Canadá — a temporada de incêndios florestais no país foi muito além de qualquer outra já registrada. A área total queimada até 15 de outubro era de 18,5 milhões de hectares, mais de seis vezes a média de dez anos (2013-2022).
Estados Unidos — o incêndio florestal mais mortal do ano ocorreu no Havaí, com pelo menos 99 mortes registradas. O fogo também causou grave poluição por fumaça, principalmente nas áreas densamente povoadas do leste do Canadá e do nordeste dos EUA.
Grande Chifre da África — cinco temporadas consecutivas de seca foram seguidas por enchentes, provocando mais deslocamentos de pessoas. A seca reduziu a capacidade do solo de absorver água, o que aumentou o risco de enchentes com chuvas de abril e maio.
América Central e da América do Sul — a seca de longo prazo se intensificou em muitas partes das duas regiões. No norte da Argentina e no Uruguai, as chuvas de janeiro a agosto ficaram de 20% a 50% abaixo da média, levando a perdas de safra e baixos níveis de armazenamento de água.
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