Lula sofre pressão interna contra acordo com UE e busca culpar europeus
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sofre pressão de alguns de seus aliados mais próximos nos movimentos sindicais e sociais para que o Brasil não assine o acordo de comércio com a UE da forma que está.
O UOL apurou que, antes de viajar para Conferência do Clima da ONU, em Dubai, e seu périplo pelo exterior, Lula recebeu mensagens de alguns dos principais sindicatos do país alertando para o fato de que o tratado seria um equívoco, prejudicaria a indústria nacional e não geraria ganhos ao país. Diante da situação, os grupos solicitaram ao presidente uma reunião em caráter de urgência. O foco da crítica é a concessão que o ex-presidente Jair Bolsonaro fez aos europeus, ainda em 2019. Mas, para muitos, aquela base praticamente não foi modificada, no que se refere à indústria.
Diante da pressão, Lula pediu que seu assessor especial, Celso Amorim, interrompesse parte da viagem ao exterior e retornasse ao Brasil. O diplomata, assim, perderá a parada do presidente na Alemanha, o maior parceiro comercial do país na Europa.
Há ainda uma pressão sendo feita por economistas que, diante da possibilidade de um acordo, enviaram alertas ao gabinete do presidente, apontando para o que significaria o desequilíbrio existente no acordo.
Argentinos também resistem
A pressão escancara o fato de que a crise na negociação entre Mercosul e UE não se resume ao veto da França ao acordo, anunciado no sábado em Dubai. De fato, o presidente francês, Emmanuel Macron, nem sequer havia desembarcado na Conferência do Clima da ONU e as delegações de Mercosul e UE já tinham sido avisadas que as reuniões que estavam marcadas para ocorrer a partir desta segunda-feira, no Rio de Janeiro, tinham sido canceladas e que o encontro seria apenas virtual.
Há ainda outro motivo para a crise: nas últimas semanas, a delegação da Argentina havia endurecido sua posição e ficou claro que o governo de Alberto Fernández desejava transferir para o presidente eleito Javier Milei o ônus de qualquer decisão sobre o acordo.
Na prática, era uma sinalização de que o tratado comercial negociado entre Mercosul e UE desde 1999 dificilmente seria anunciado.
Para os delegados de Buenos Aires, o acordo estava desequilibrado e, se fosse fechado, os europeus teriam mais vantagens que o Mercosul. O endurecimento da posição do governo de Fernández, faltando poucos dias para ser encerrado, era ainda um recado de que o presidente derrotado não daria um presente para Milei.
Sem o ímpeto argentino, o processo passou a se arrastar, enquanto pontos precisavam ser superados para que a negociação pudesse concluída.
Lula culpa europeus
Lula e seus negociadores sabiam que teriam de enfrentar uma oposição tanto no Mercosul como de atores da economia nacional para fechar com a UE.
Mas bastou o presidente da França subir ao palco e dar declarações de que era contra um acordo entre Mercosul e UE para o governo brasileiro embarcar na tentativa de transferir exclusivamente aos franceses a culpa por um eventual fracasso.
No sábado, Macron declarou durante a COP28 que era contra o tratado, o que foi interpretado por muitos como um sinal de colapso da negociação. No domingo, o presidente Lula mostrou sua habilidade política em assumir crises e transformá-las em oportunidades para seu próprio governo. A ordem era a de responsabilizar os europeus.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receber"Se não tiver acordo, paciência, não foi por falta de vontade. A única coisa que tem que ficar clara é que não digam mais que é por conta do Brasil. E que não digam mais que é por conta da América do Sul", afirmou Lula.
"Assumam a responsabilidade de que os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão. É sempre ganhar mais", afirmou. "E nós não somos mais colonizados, nós somos independentes. E nós queremos ser tratados apenas com respeito de países independentes que temos coisas para vender, e as coisas que nós temos para vender têm preço. Queremos um certo equilíbrio", disse ainda o presidente brasileiro
Nos bastidores, diplomatas admitiam que Lula havia aproveitado a ocasião para abafar o que é, de fato, também uma oposição dentro do próprio Mercosul.
Temor de enterro
A partir desta segunda-feira, as reuniões virtuais entre o Mercosul e a UE vão ocorrer, com a delegação brasileira transformando a sede do BNDES em quartel-general da equipe de negociação.
Segundo o UOL apurou, o processo irá se resumir num relato de cada um dos grupos de trabalho. Um por um, os presidentes de cada sessão irão relatar o progresso e os obstáculos ainda existentes em cada um dos segmentos da negociação.
Assim, ao final do relato, seria tomada uma decisão de voltar a negociar ou simplesmente esperar a transição política na Argentina e uma nova fase de diálogos para que o processo seja retomado.
O temor de vários diplomatas brasileiros ouvidos pelo UOL é de que, encerrado sem um acordo o ano de 2023, a ideia de um tratado comercial entre UE e Mercosul seja finalmente enterrado.
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