EUA foram informados de que Lula temia que Hugo Chávez invadisse Guiana
Telegramas da diplomacia dos EUA, revelados pelo grupo WikiLeaks, mostram que a Casa Branca foi informada de que o presidente Lula temia uma invasão da Guiana ainda quando Hugo Chávez era presidente da Venezuela, há 15 anos.
Se as ações lideradas por Nicolás Maduro, atual presidente da Venezuela e ex-chanceler de Chávez, geram preocupações em Brasília e na Casa Branca neste momento, os documentos revelam que o temor de uma invasão não é novo e já pautava as conversas de embaixadores americanos havia mais de uma década.
Os telegramas vieram à público em 2011, em meio a dezenas de documentos que o grupo então liderado por Julian Assange publicou naquele momento com segredos da diplomacia americana.
Um dos documentos é datado de 15 de janeiro de 2008 e revela um encontro entre diplomatas americanos e o ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto, em 7 de janeiro daquele ano. A Guiana foi um dos vários temas debatidos.
Delfim Netto é colocado no telegrama como alguém que precisa ser "estritamente protegido" como fonte da informação.
Sobre as relações do Brasil com a Venezuela, Delfim afirmou que Lula está preocupado com a agenda de política externa de Chávez, especialmente seu desejo de anexar um terço do território da Guiana.
Trecho de telegrama enviado da embaixada dos EUA em Brasília ao Departamento de Estado norte-americano, em Washington
Segundo o texto, Delfim disse aos diplomatas americanos que "as relações do Brasil com a Venezuela são tensas e estão se deteriorando, mas Lula está tentando evitar um confronto aberto que poderia causar uma ruptura séria nas relações bilaterais e ter um impacto no continente como um todo".
"Delfim caracterizou Lula como alguém que "acredita profundamente na unidade sul-americana" e que "a pobreza latino-americana une os povos da região, permitindo-lhes resolver conflitos por meio de negociações", disse.
'Chávez psicopata'
O telegrama relata como Delfim afirmou ser contra a entrada da Venezuela no Mercosul e disse que Chávez é um "psicopata". "Mas que Lula não quer alienar o líder venezuelano", afirmou.
Num outro trecho do telegrama, a delegação americana destaca como o ex-presidente e ex-senador José Sarney "expressou preocupações semelhantes com relação aos planos de Chávez para a Guiana", em conversas com outros diplomatas americanos.
"Delfim disse que isso terá um impacto no Brasil porque os territórios de pelo menos uma tribo, os índios yanomamis, ultrapassam a fronteira Venezuela-Brasil".
Delfim acredita que, se a Venezuela invadir a Guiana, os yanomamis declararão independência, forçando o Brasil a se envolver em uma guerra entre a Venezuela e a Guiana
Trecho de telegrama de 2008 da diplomacia americana
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Quero receberSarney também alertou americanos
Em 3 de janeiro de 2008, de fato, um telegrama confirmava a informação. O documento se refere a um encontro entre o embaixador Thomas Shannon e Sarney.
O texto diz que o político brasileiro "continua convencido de que Chávez está tentando provocar uma guerra com a Guiana pela disputada região de Essequibo, o que seria "ruim para o Brasil, porque o Brasil aceitou o tratado que resolve a questão, e isso reabre o assunto".
Sarney disse que o Brasil construiu uma estrada de Manaus até a fronteira com a Guiana, que ele espera que possa continuar até Georgetown, mas se Chávez agir agressivamente em relação à Guiana, isso "criará um problema para todos nós". Segundo os documentos, o ex-presidente afirma que o Itamaraty, está "calmo, mas devemos estar sempre preocupados com o assunto".
Sarney ainda afirma que estava "obviamente preocupado com a capacidade da Venezuela de desestabilizar a região" e recomendou que os EUA deveriam evitar ser provocados a adotar políticas e ações que poderiam "ser contraproducentes", evitando "cair em armadilhas".
Incursão militar de Chávez em um país vizinho seria "plausível"
No final daquele mês, mais um telegrama seria enviado pela embaixada dos EUA em Brasília para Washington e a questão da Guiana entraria no debate de novo. Tratava-se de um encontro com o então ministro da Defesa, Nelson Jobim.
Os americanos destacavam que o Brasil era "o principal defensor da admissão da Venezuela no Mercosul", uma medida que era avaliada como potencial complicador da integração econômica e os objetivos políticos da organização. Mas o objetivo de Lula era o de "trazer Chávez para uma organização política na qual o Brasil tem forte influência".
Os brasileiros continuam a ver sua longa fronteira com dez países vizinhos como vulnerável, justificando a manutenção de uma forte postura de defesa.
Trecho de telegrama da embaixada dos EUA
Segundo a então avaliação americana, os cenários mais prováveis com implicações militares diretas para o Brasil envolviam atores não estatais, como as Farc e organizações criminosas internacionais que operam além das fronteiras.
"No entanto, embora pareça altamente improvável que a primeira reação do governo brasileiro seja enviar as tropas, os brasileiros veem uma incursão militar de Chávez em um país vizinho como plausível, tendo em vista a sua imprevisibilidade", completou.
Investimentos do Brasil em área disputada pela Venezuela
Num outro documento, de 9 de outubro de 2009, o governo americano revela planos do Brasil para investir em energia na Guiana, justamente no território cobiçado pela Venezuela.
"O Brasil está em negociações com a Guiana para construir uma usina hidrelétrica na região da fronteira entre os dois países, no território disputado entre a Venezuela e a Guiana", afirma o documento.
A informação teria sido passada aos americanos pelo então assessor do ministro de Minas e Energia do Brasil, Edison Lobão, ao embaixador Rubem Barbosa em 5 de outubro.
"Além de aumentar a capacidade energética de ambos os países e aproximar Guiana politicamente de seus vizinhos sul-americanos, o projeto teria o efeito de permitir que a Guiana estabelecesse infraestrutura governamental no território em disputa", explicou.
A ideia de construir uma usina hidrelétrica binacional na região de fronteira da Guiana, perto de Roraima, decorre de uma reunião entre Lula e o presidente Jagdeo, da Guiana, em 14 de setembro, quando os dois inauguraram uma nova ponte.
Naquela ocasião, Jagdeo, aparentemente ciente de projetos brasileiros semelhantes, incluindo a barragem de Itaipu com o Paraguai e os planos para cinco novas barragens construídas com o Peru, pediu a Lula ajuda para atender às necessidades energéticas da Guiana.
"Duas semanas depois, Lula enviou uma delegação para para se reunir com Jagdeo, liderada pelo ministro da Energia Lobão, que estava acompanhado por Barbosa. O grupo incluía representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), provável financiador do projeto, e da empresa estatal brasileira de eletricidade, a Eletrobras, que foi encarregada por Lula de buscar operações no exterior com o objetivo de aumentar a integração energética em todo o continente", disse.
A previsão era que a usina hidrelétrica geraria 800 megawatts (MW) de eletricidade, com 200 MW indo para a Guiana e o restante retornaria ao Brasil. Barbosa acreditava que o projeto precisava de uma década para ser completado.
Embora ajudar a atender às necessidades urgentes de energia da Guiana fosse o principal motivo para a realização do projeto, o telegrama aponta que "Barbosa confidenciou que as razões políticas para fazê-lo também eram convincentes".
"Considerando que a usina hidrelétrica proposta seria construída na seção do território guianense disputado com a Venezuela, Jagdeo, de acordo com Barbosa, vê isso como um esforço importante para consolidar a reivindicação da Guiana sobre a área", disse.
Segundo os americanos, "esse tipo de projeto de energia binacional é de crescente interesse para o governo brasileiro".
"O Brasil não está apenas buscando expandir sua capacidade de geração de energia, os esforços políticos também estão de acordo com a filosofia de Lula de criar laços com os países vizinhos [...] e, ao mesmo tempo, construir uma base de apoio para suas ambições internacionais mais amplas", completou.
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