Declaração Universal chega aos 75 anos sob ataque e ignorada por potências
Neste domingo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos comemora 75 anos de existência. Mas o que era para ser um evento comemorativo acabou sendo esvaziado, diante de uma situação internacional tensa.
Duas guerras de proporções dramáticas em Gaza e na Ucrânia ocorrendo sob os olhos e chancelas de diferentes potências, um número recorde de refugiados, o avanço da extrema-direita, a repressão em governos autoritários e a volta da fome obrigaram a ONU a rever seu plano e até o tom usado para marcar a data.
Nesta segunda-feira, em Genebra, um encontro havia sido convocado e, originalmente, a esperança era de que presidentes de todo o mundo viajassem para mostrar seus respectivos compromissos com o documento que serve de bússola para humanidade.
Mas foram poucos os que toparam fazer a viagem. O governo brasileiro será representada pela secretária-executiva do Itamaraty e diretores de departamentos. Nenhum ministro viajará até Genebra. Outros governos seguirão o mesmo padrão.
A declaração foi elaborada há 75 anos como resposta aos horrores da Segunda Guerra Mundial. A meta era construir um documento que comprometesse governos de todo o mundo a seguir padrões mínimos que não dependeriam de religião, ideologias políticas ou nível social.
O óbvio teria de ser resgatado: o direito à vida. A declaração descreveu, pela primeira vez, os direitos que se aplicam a todos, em todos os lugares, sempre. A ideia é de que eles são inatos ao ser humano. Basta nascer para ter direitos a eles.
O documento mais traduzido do mundo, sua versão em inglês tem apenas 1.300 palavras. "Mas toda a vida humana está lá", afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
A Declaração Universal estabelece os direitos à vida, à liberdade e à segurança, à igualdade perante a lei, à liberdade de expressão, a buscar asilo; ao trabalho, à saúde e à educação.
Para observadores na ONU, os avanços foram claros.
Em 1900, cerca de 80% das pessoas em todo o mundo viviam na pobreza. Esse número caiu para menos de 10% em 2015.
A pessoa média vivia 32 anos. Hoje, são mais de 70.
Sete em cada dez pessoas eram analfabetas. Agora, são menos de duas.
Mas o esgotamento também passou a ser uma realidade nos últimos anos. "Ao comemorarmos seu 75º aniversário, a Declaração Universal está sendo atacada por todos os lados", admitiu Guterres. "Em vez de continuarmos com esse progresso, agora estamos retrocedendo", lamentou.
A pobreza extrema e a fome estão aumentando pela primeira vez em décadas.
Quase metade da população mundial, 3,5 bilhões de pessoas, vive em pontos críticos do clima.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberUm recorde de cem milhões de pessoas foram forçadas a fugir devido à violência, aos conflitos e às violações dos direitos humanos.
Membros do Conselho de Segurança da ONU, potências vêm dando seu aval a crimes de guerra e ignorando o documento. Se não bastasse, regimes autoritários fazem uma ofensiva para minar todo o trecho da declaração que fale em direitos individuais ou políticos, insistindo que o avanço social deve receber maior atenção.
Do lado da extrema-direita, grupos nos EUA, Brasil, Europa e em outras partes do mundo costuram alianças para contestar partes inteiras do documento e substituí-la por versões nas quais minorias teriam seus direitos restringidos.
Nos corredores da ONU, muitos alertam que se a comunidade internacional fosse obrigada, hoje, a negociar o mesmo documento e criar uma bússola para a humanidade, ela provavelmente não conseguiria.
Ao completar 75 anos, a Declaração Universal vive uma encruzilhada inédita e seus princípios parecem soterrados em Gaza, Mariupol ou afogados no mar Mediterrâneo.
Ao mesmo tempo, ela nunca foi tão importante como agora. Resgatar o que diz seus artigos publicados em 1948 passou a ser revolucionário e o maior motivo para se lembrar a data.
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