Jamil Chade

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Reportagem

Trump promete punir quem abandonar dólar, tema que está na agenda dos Brics

Num gesto que ameaça desencadear uma guerra comercial, o candidato republicano Donald Trump promete, se vencer a eleição nos EUA, aplicar tarifas de 100% contra produtos de países que optem por reduzir o uso do dólar ou abandonar a moeda americana como reserva. O Brasil assume a presidência do Brics em 2025 e tem, em sua agenda, a discussão sobre o uso de moedas locais.

Num debate no Economic Club de Chicago, nesta terça-feira (15), o americano defendeu sua proposta de retomar a aplicação de tarifas de importação como maneira de impulsionar a produção nacional americana.

"Vamos trazer as empresas de volta. Vamos reduzir ainda mais os impostos para as empresas que vão fabricar seus produtos nos EUA. Vamos proteger essas empresas com tarifas fortes, porque acredito em tarifas", disse o ex-presidente. "Para mim, a palavra mais bonita do dicionário é tarifa, e é a minha palavra favorita. Ela precisa de uma empresa de relações públicas", afirmou.

Segundo Trump, "quanto mais alta a tarifa [de importação], maior a probabilidade de uma empresa vir para os EUA e construir fábricas aqui". "Se você tornar as tarifas muito desagradáveis, elas [as empresas] virão imediatamente", disse Trump.

A bandeira protecionista passou a ser usada pelo candidato republicano, em busca de conquistar votos dos trabalhadores em estados decisivos para a eleição presidencial de novembro. Sua escolha, porém, reacendeu o temor de um retorno das guerras comerciais, repetindo sua estratégia já usada contra a China a partir de 2016.

Dólar como arma

O alerta de Trump não se limitou à migração de empresas. Numa demonstração explícita de que considera o dólar uma arma americana, o candidato deixou claro que vai ameaçar países que optem por deixar de usar a moeda como referência.

Segundo Trump, tarifas de 100% serão aplicadas a governos que escolham outra moeda para ser a base de suas reservas ou que optem por realizar trocas comerciais de outra maneira.

O dólar representava 85% das reservas globais em 1970, proporção que caiu para 58% hoje, de acordo com o FMI. O euro representa 20%, contra um volume ainda insignificante das demais moedas.

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De acordo com Trump, depois de serem ameaçados a não poder fazer negócios com os EUA, esses mesmos países desistirão. "Eles vão me ligar e dizer que ficarão honrados em usar o dólar como referência", disse.

Durante a conversa, o americano admitiu que a China tem pretensões de tornar sua moeda uma alternativa ao dólar.

Em setembro, Trump já havia ensaiado a ameaça a quem abandonar sua moeda. "Eu direi: 'se vocês deixarem o dólar, não farão negócios com os Estados Unidos. Porque vamos impor uma tarifa de 100% sobre seus produtos'", disse em um comício em Wisconsin.

Também no mês passado, ele deixou clara a dimensão estratégica da moeda. "Se perdermos o dólar como moeda mundial, acho que isso seria o equivalente a perder uma guerra", disse ao Economic Club of New York. Trump acredita que a aplicação de tarifas pode ser mais eficiente que sanções.

Brasil preside Brics em 2025 e tem projeto para moeda

Mas o que preocupa os americanos são os movimentos, principalmente entre os países em desenvolvimento, em busca de uma alternativa ao dólar.

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Em 2025, uma das bandeiras da presidência do Brasil no Brics será o avanço da ideia de criar um mecanismo que permita as trocas comerciais em moedas nacionais, sem passar pelo dólar.

O governo brasileiro sabe das dificuldades que terá e quer impedir que o debate se transforme em uma disputa contra os EUA.

Dentro do governo brasileiro, vozes começam a se movimentar para trabalhar qual seria a agenda do governo Lula quando, no final do ano, o país assumir a presidência do Brics.

Se, na presidência russa, o tom do Brics tem sido de oposição ao ocidente e um discurso antissistema, o Brasil quer adotar uma postura de "ponte" entre os emergentes e o G7.

Uma das possibilidades seria destravar o debate sobre a moeda, sem que isso signifique uma afronta às sanções ou às potências ocidentais.

Entre as ideias, circula a possibilidade de criar um grupo de trabalho com a missão de examinar a possibilidade de criar uma unidade de conta, o que poderia ser um embrião de uma moeda comum. A função, durante a presidência brasileira do bloco em 2025, seria então criar um mapa de como desenvolver a ideia e passos concretos para os próximos anos.

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O grupo, no entanto, não seria composto apenas por economias e especialistas dos países emergentes. O convite a eminências dos EUA ou Europa poderia ser um caminho para dar um sinal de que o projeto não é um ataque ao ocidente.

A avaliação entre negociadores brasileiros é que Lula na presidência do Brics pode ser uma "oportunidade rara de legitimidade" para apresentar um projeto ousado e que, na voz de outros emergentes, poderia soar como um ataque frontal contra os EUA.

Cálculo é geopolítico

A ofensiva dos Brics tem como meta reduzir o uso do dólar e a dependência em relação à moeda americana. Conforme os próprios diplomatas apontam, porém, não se trata de uma questão financeira, mas de um posicionamento geopolítico de enormes proporções.

Já para o governo americano, a redução do papel do dólar não significa apenas uma perda de hegemonia. Parte das sanções unilaterais aplicadas pelos EUA é no sistema financeiro, diante da presença dominante do dólar. Um país, portanto, pode ser asfixiado apenas ao ser impedido de usar a moeda americana.

Mas, se um sistema financeiro paralelo for criado com moedas alternativas, o poder da Casa Branca de impor sanções é radicalmente reduzido.

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Num seminário promovido em 2023 pelos sul-africanos, o brasileiro Paulo Nogueira Batista Jr. destacou como isso é usado.

"Houve uma instrumentalização do dólar como arma. Ou seja, o uso da moeda nacional/internacional e do sistema financeiro ocidental para atingir países hostis ou países vistos como tais", disse.

"Venezuela, Irã, Afeganistão e, em grande escala, a Rússia foram alvos de sanções e medidas punitivas que só puderam ser aplicadas porque o dólar e o sistema financeiro dos EUA ocupam a posição que ocupam no mundo", afirmou o economista.

Segundo ele, o caso da Rússia "não tem precedentes". "Após a invasão da Ucrânia, os EUA e seus aliados europeus decretaram o congelamento das reservas russas investidas em dólares e euros, no valor de cerca de US$ 300 bilhões, aproximadamente metade dos ativos internacionais líquidos da Rússia", disse.

"Evidentemente, o uso e o abuso da posição privilegiada do dólar levam a uma perda de legitimidade do sistema monetário internacional vigente. Isso causou uma erosão da confiança no dólar —e a confiança é um requisito indispensável para qualquer moeda. Em uma frase: os Estados Unidos são hoje o principal inimigo do dólar como moeda mundial", alertou.

Para ele, um ambiente propício para discussões sobre a reforma do sistema monetário e a "desdolarização" das transações internacionais foi "criado pelos próprios EUA".

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