Jamil Chade

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Guerras politizam o Natal e afetam tradições, populações e o calendário

Guerras e conflitos armados mudam as datas do Natal, cancelam eventos, afetam tradições e impactam nos ritos de milhões de pessoas. Neste ano, pela primeira vez, a Ucrânia deixou de celebrar o Natal ortodoxo, que seria no dia 7 de janeiro, e passou a comemorar a data nesta segunda-feira, dia 25.

No domingo, ao enviar uma mensagem de Natal a todos os ucranianos, o presidente Volodymyr Zelensky fez questão de deixar clara a necessidade de afastar o país das tradições e calendário vigente na Rússia, onde as igrejas ortodoxas marcam o Natal em duas semanas.

Ao assinar a nova lei recriando politicamente o Natal no dia 25 de dezembro, o presidente ucraniano indicou que o ato permitiria que a população de seu país "abandonasse a herança russa de impor as comemorações no dia 7 de janeiro".

Ao mesmo tempo, reajustou a data e as comemorações ao período no qual a Europa Ocidental marca o nascimento de Jesus. Esse não foi o único ato neste sentido. Zelensky, ao longo dos últimos meses, modificou os nomes de ruas e removeu monumentos que pudessem fazer alusão aos russos ou aos soviéticos.

Enquanto as igrejas de Kiev e outras cidades ucranianas lotavam como ato de contestação e união contra os russos, em Belém, na Cisjordânia, o Natal no suposto berço de Jesus foi silenciado, também como um ato de protesto e em solidariedade às vítimas da guerra em Gaza.

Mas uma igreja foi além. No presépio montado tradicionalmente no local, o menino Jesus aparece entre escombros, uma referência à destruição de milhares de casas e de vidas desde outubro no território palestino.

A iniciativa foi da Igreja Evangélica Luterana de Natal. Em seu presépio, o boneco de um bebê está coberto pelo lenço palestino keffiyeh, símbolo da resistência e da luta pela terra. No entanto, o entorno que chama a atenção. Jesus está entre escombros, numa referência às mais de 7.800 crianças mortas em Gaza, de um total de 20 mil vítimas.

Para os organizadores do presépio, aquele Jesus representa as milhares de crianças enterradas sob os escombros em Gaza, número que nem sequer se conhece até agora. Em entrevista à imprensa local, o pastor Munther Isaac contou que as famílias que formam parte da congregação quem montaram o presépio. No dia que ele foi colocado, muitos choravam.

No domingo, o papa Francisco deu início às celebrações de Natal no Vaticano com um apelo à paz. "Esta noite, nossos corações estão em Belém", disse.

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O patriarca latino de Jerusalém, Pierbattista Pizzaballa, chegou no domingo à Igreja da Natividade, em Belém, vestido com o tradicional lenço palestino, o keffiyeh.

A história política do Natal

A construção política do Natal não é uma novidade nos mais de dois mil anos do cristianismo. A própria ideia de que religião e política não se misturariam seria considerado como impossível no império romano, durante os anos de nascimento de Jesus. Religião era política.

Chamar aquele que nasceu em Belém de rei e filho de Deus seria, portanto, um ato de subversão e de aliança a outro soberano que não o imperador. O que, séculos depois, entraria na construção da Bíblia seria uma narrativa permeada por um desafio à autoridade reinante.

A própria data do 25 de dezembro apenas surgiu séculos depois do evento do nascimento do Cristo. A igreja em Roma, por exemplo, começou a celebrar formalmente o Natal em 25 de dezembro no ano de 336, durante o reinado do imperador Constantino.

Durante séculos, de fato, o aspecto político da data não desapareceu. Em 2015, ativistas políticos e religiosos organizaram protestos contra a crescente influência do Natal e do Papai Noel na sociedade turca.

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Na Romênia, até hoje, há um acalorado debate sobre a execução do ditador Nicolae Ceauce?cu, em 1989, no dia de Natal. Nos primeiros anos do governo soviético, as escolas em Moscou foram instruídas a ensinar aos alunos sobre a necessidade de deslocar a tradição da árvore de Natal como um elemento do ano novo. O regime precisava se desfazer do ato religioso, mas buscou outras utilidades para seus símbolos.

Em 1647, o Natal foi banido no Reino Unido, o que levou a protestos e o aumento da resistência contra Oliver Cromwell. Para historiadores, sua opção por cancelar o natal teve um impacto importante na falência de seu governo.

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