Jamil Chade

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ONU prevê que Gaza precisa até 2092 para reconstruir sua economia

Os palestinos precisarão de quase sete décadas e bilhões de dólares em investimentos para recuperar a economia em Gaza. O alerta é da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) que, num informe publicado nesta quarta-feira, revela pela primeira vez a dimensão do impacto econômico da guerra na Faixa de Gaza.

O documento apresenta o que chama de um "quadro assustador" e alerta que Gaza é hoje praticamente "inabitável". A região, segundo a ONU, teria sido alvo de uma "devastação sem precedentes".

De acordo com o levantamento, se a atual operação militar terminasse imediatamente e se a reconstrução fosse iniciada no dia seguinte, Gaza levaria até o ano de 2092 apenas para restaurar os níveis do PIB de 2022.

O PIB per capita e as condições socioeconômicas, porém, ameaçam continuar ameaçadas.

Para chegar a essa conclusão, a ONU usou como base a taxa de crescimento entre 2007-2022 em Gaza, de 0,4% de expansão por ano.

Mesmo com o cenário mais otimista de que o PIB poderia crescer 10% ao ano, o PIB per capita de Gaza levaria até 2035 para o nível pré-bloqueio de 2006.

Segundo a ONU, a recuperação da economia de Gaza após a atual operação militar exigirá um compromisso financeiro várias vezes superior aos US$ 3,9 bilhões resultantes da operação militar de 2014 em Gaza e envolverá um esforço internacional conjunto para restaurar as condições socioeconômicas pré-conflito.

"As condições socioeconômicas em Gaza eram terríveis em 2022 e na primeira metade de 2023, com mais de dois milhões de habitantes confinados em um dos espaços mais densamente povoados do mundo, com acesso inadequado à água potável, fornecimento esporádico de eletricidade e sem um sistema de esgoto adequado", disse.

"Dois terços da população viviam na pobreza e 45% da força de trabalho estava desempregada antes do início da última operação militar", alertou.

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Agora, a ONU ressalta que "a restauração das condições socioeconômicas pré-conflito em Gaza levará décadas e exigirá uma ajuda externa considerável".

"Em meados de 2023, dois milhões de habitantes de Gaza enfrentavam desafios que iam desde o acesso inadequado à água e à eletricidade até o alto índice de desemprego. A operação militar em andamento deslocou 85% da população de Gaza, interrompendo as atividades econômicas e agravando ainda mais a pobreza e o desemprego", constatou.

Eis um raio-X da situação de Gaza

  • Em dezembro de 2023, o desemprego atingia 79,3% da população. Antes da guerra, a taxa era de 45%.
  • 37.379 edifícios - o equivalente a 18% do total de estruturas da Faixa de Gaza - foram danificados ou destruídos pela operação militar.
  • A pobreza monetária se ampliou e se aprofundou, afetando toda a população de Gaza.

"A pobreza multidimensional é ainda pior porque leva em conta a privação de educação e de serviços básicos de infraestrutura para captar um quadro mais realista da pobreza", disse. "As condições de vida em Gaza estão em seu nível mais baixo desde o início da ocupação em 1967 e piorarão ainda mais se a operação militar não for interrompida", alerta.

De fato, o cálculo aponta que o impacto da atual operação militar de Israel em Gaza é equivalente ao efeito dos 17 anos de bloqueio do território, somado aos resultados de todas as operações militares precedentes na região.

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"Utilizando imagens de satélite e dados oficiais, a UNCTAD estima atualmente que a economia de Gaza já havia se contraído em 4,5% nos três primeiros trimestres de 2023", disse. "Entretanto, a operação militar acelerou muito o declínio e precipitou uma contração de 24% do PIB e uma queda de 26,1% no PIB per capita durante todo o ano", aponta.

"A Faixa de Gaza, cuja metade da população é composta por crianças, está agora quase inabitável, com pessoas sem fontes adequadas de renda, acesso à água, saneamento, saúde ou educação".

O relatório destaca a necessidade urgente de romper o ciclo de destruição econômica que tornou 80% da população dependente da ajuda internacional e alerta que o retorno ao status quo pré-conflito não é uma opção.

"A possibilidade e a velocidade da recuperação em Gaza dependerão do fim da operação militar, do envolvimento dos doadores e do desempenho do crescimento subsequente. Um cenário otimista sugere que, mesmo com o fim imediato dos combates, levar Gaza de volta às condições socioeconômicas que prevaleciam antes da eclosão do atual confronto levaria décadas sem um programa de recuperação devidamente financiado e totalmente apoiado pela comunidade internacional", aponta a ONU.

Na avaliação da entidade, uma nova fase de reabilitação econômica não pode simplesmente ter como meta o retorno ao status quo anterior a outubro de 2023.

O relatório enfatiza a importância de fornecer apoio orçamentário imediato e robusto ao governo palestino.

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"Esse apoio ajudaria a evitar um colapso mais amplo, sustentando a governança, prestando serviços públicos essenciais e mantendo a demanda agregada por meio do pagamento de salários e da quitação de dívidas com o setor privado", disse.

Antes mesmo da atual guerra, porém, a constatação é de que a ajuda externa para Gaza havia sido reduzida de forma drástica. Em 2008, ela havia sido de US$ 2 bilhões, ou 27% do PIB. Em 2022, esse valor caiu para US$ 550 milhões, ou menos de 3% do PIB.

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