Jamil Chade

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Reportagem

Guerra em Gaza e tensão geopolítica abrem incerteza sobre expansão do Brics

A expansão do Brics, prometida para 2024, vive um período de incerteza. O governo da Arábia Saudita admite que ainda não decidiu se aceitará o convite feito pelo bloco de emergentes para se unir ao grupo. Fontes em Riad apontam que um dos aspectos que pesa na decisão final é o fato de que, no novo bloco, o regime do príncipe Mohamed Bin Salman terá de compartilhar e negociar posições com o Irã, um aliado do Hamas em Gaza.

Em 2023, o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, África do Sul e China chegou a um acordo para permitir a adesão de novos membros. Depois de intensas negociações, foi estabelecido que entrariam Argentina, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Egito, Irã e Arábia Saudita.

Com a vitória de Javier Milei, os argentinos anunciaram que não iriam aderir ao bloco. Agora, são os sauditas que afirmam que ainda não tomaram uma decisão e que o tema ainda está "sob consideração". No início do ano, as redes de TV do país - todas controladas pelo regime - anunciaram que os sauditas iriam aderir ao Brics. Mas, dias depois, as notícias foram retiradas do ar, inclusive das redes sociais.

A hesitação surpreendeu o Itamaraty que, em Brasília, havia sido fortemente pressionado pelos sauditas ao longo de meses para que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva endossasse a candidatura da Arábia Saudita ao bloco.

O governo brasileiro era contrário à expansão do Brics, temendo que a adesão de novos membros significasse a entrada apenas de aliados chineses e, portanto, de um aumento da influência de Pequim dentro do bloco. Outro ponto questionado pelo Brasil era o critério que seria usado para escolher os novos participantes.

A negociação foi concluída em meados do ano passado, facilitada ainda por uma reaproximação entre sauditas e iranianos. O acordo - colocando fim a quase uma década de ruptura diplomática entre Riad e Teerã - havia sido selado pelos chineses.

Mas tudo isso ocorreu antes da guerra em Gaza. Em Riad, a insistência do Irã em apoiar abertamente o Hamas, o Hezbollah e grupos armados no Iêmen passou a ser um elemento de preocupação para os sauditas, principalmente diante do risco de uma guerra generalizada na região.

Os sauditas avaliam que estariam "cercados" por aliados do regime iraniano, tanto ao sul quanto a leste e oeste.

Se unir a um bloco com o Irã à mesma mesa, portanto, colocaria desafios para a diplomacia saudita. Riad, antes dos ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023, estava prestes a normalizar relações com Israel. Na avaliação de observadores diplomáticos, a iniciativa mudaria o destino do Oriente Médio e fortaleceria a posição saudita.

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Outro fator que passou a ser considerado é o impacto que a adesão a um grupo com China e Rússia teria para a relação estratégica entre Arábia Saudita e os EUA. O anúncio do convite do Brics aos sauditas causou desconforto em Washington que, por décadas, foi um ator fundamental na segurança do Golfo.

Em termos comerciais, porém, a adesão faria sentido. A China é hoje o maior parceiro comercial da Arábia Saudita e, no ano passado, assinou um acordo histórico para pagar em yuan as importações de petróleo.

Os sauditas ainda colocaram o Brasil como prioridade em sua estratégia para garantir a segurança alimentar e iniciam uma ofensiva para se associar a empresas do agronegócio. A relação com os indianos também é intensa, e uma associação significaria um impulso ao fortalecimento da ideia de uma nova ordem global.

O regime do príncipe Mohamed Bin Salman terá de tomar uma decisão até o segundo semestre, quando o bloco terá sua cúpula. A reunião, porém, promete ser polêmica, já que ocorre na Rússia.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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