Jamil Chade

Jamil Chade

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Na ONU, mulheres negras cobram de Portugal responsabilização por escravidão

Entidades de mulheres negras do Brasil cobram de Portugal a responsabilização por séculos de escravidão e pedem que Lisboa se comprometa com ações de reparação.

Nesta semana, durante o 3º Fórum Permanente para Pessoas Afrodescendentes das Nações Unidas, o Instituto Marielle Franco, o Odara - Instituto da Mulher Negra, as Redes da Maré, o Fundo Agbara, os Movimento Mulheres Negras Decidem e o Observatório da Branquitude protestaram contra a diplomacia portuguesa.

As entidades manifestaram sua "profunda irresignação diante da ausência absoluta de posicionamento da República Portuguesa a respeito de medidas concretas de reparação à população negra brasileira pelos danos profundos causados pela escravização e o tráfico transatlântico, graves crimes contra a humanidade".

A declaração foi emitida depois que o governo de Portugal, durante os debates na ONU, fez um discurso de combate ao racismo. Mas não assumiu qualquer compromisso e nem ofereceu medidas de reparação diante da escravidão.

Segundo a delegação portuguesa, o combate ao racismo é uma prioridade no país. Portugal admitiu que esse fenômeno "tem uma história". Mas se limitou a dizer que se trata de uma "história do comércio transatlântico de escravos, que acreditamos ter constituído um crime contra a humanidade e a história do colonialismo".

A delegação de Lisboa destacou como, na próxima semana, o país comemora os 50 anos da Revolução dos Cravos e que o acontecimento de 1974 também tinha como objetivo a descolonização.

A diplomacia portuguesa admitiu a "importância de olhar para o passado e processos de reconciliação". Mas insistiu que tem os "olhos no futuro" para "soluções concretas" para que os afrodescendentes tenham seus direitos respeitados.

Sequestro, discriminação e violência

Diante da fala, a reação das mulheres negras brasileiras foi quase imediata.

Continua após a publicidade

"Durante o período de vigência do sistema escravocrata português, mais de um milhão de pessoas foram sequestradas de diferentes partes do continente africano, sendo imediatamente submetidas a diferentes formas de discriminação e violência", disseram as entidades.

"Hoje, a população negra brasileira conforma a maior população negra em diáspora justamente por conta desse processo. Mesmo após a abolição formal da escravatura, em 13 de maio de 1888, a população negra segue profundamente estigmatizada e negada de exercer plenamente diversos de seus direitos mais fundamentais", afirmam.

Segundo elas, a expansão portuguesa "é indissociável da escravatura".

É fundamental que Portugal - Estado que se beneficiou social, econômica, política e culturalmente de um sistema colonial de poder e da exploração negra - se responsabilize e ofereça respostas efetivas voltadas à memória, verdade, justiça, reparação e não repetição.
Entidades brasileiras de mulheres negras durante fórum da ONU

Durante o evento, as entidades apresentaram as seguintes demandas ao Estado português:

Adotar medidas reparatórias concretas e intersetoriais em resposta aos impactos estruturais do colonialismo, da escravatura e do tráfico transatlântico para a realidade brasileira, incluindo a criação de museus, centros de memórias e outros equipamentos públicos que reconheçam os impactos da colonização sobre a população afro-brasileira;

Continua após a publicidade

Incluir no currículo oficial da Rede de Ensino portuguesa a obrigatoriedade da temática "História dos Impactos Nocivos do Colonialismo Português para o Contexto Brasileiro";

Comprometer-se publicamente com a adoção dessas medidas;

Firmar pactos e acordos de colaboração efetivos com o Brasil - bem como junto a outros países que foram colonizados por Portugal - com o objetivo de promover a reparação a partir de investimentos financeiros, da salvaguarda de memórias e de revisão dos pactos e parcerias de nacionalidade e trânsito entre os países;

Encorajar todos os países da Europa fundados a partir de sistemas coloniais a adotar medidas reparatórias aos países do Sul Global que se fundaram a partir da exploração colonial;

Adotar medidas efetivas de combate à xenofobia e ao racismo contra a população afrodescendente em Portugal.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.