Mudanças climáticas dobram risco de enchentes no RS
Um estudo internacional indica que as mudanças climáticas dobraram o risco de enchentes no Rio Grande do Sul, confirmando o papel da transformação no planeta na incidência do evento extremo registrado no Brasil.
A constatação é divulgada num momento em que uma onda de desinformação começa a circular, negando que o caos climático que o planeta atravessa tenha qualquer impacto no volume de chuvas no Sul.
O estudo confirma que o fenômeno do El Niño teve um papel importante ao intensificar as chuvas e que a falta de investimento também ampliou a dimensão do drama — mas alerta que foi o aquecimento do planeta que permitiu que o evento extremo tivesse uma chance maior de ocorrer.
O estudo foi conduzido por 13 pesquisadores do grupo World Weather Attribution, incluindo cientistas de universidades, organizações de pesquisa e agências meteorológicas do Brasil, Holanda, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. Alguns dos participantes no processo trabalham em colaboração com o Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas.
Fizeram parte do levantamento representantes da Imperial College de Londres, da Universidade Federal de Santa Catarina, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), do Royal Netherlands Meteorological Institute e da Universidade de Princeton, entre outros.
Segundo o relatório, "para entender o efeito do aquecimento causado pelo homem sobre as enchentes, os cientistas analisaram dados meteorológicos e modelos climáticos para comparar como esses tipos de eventos mudaram entre o clima atual, com aproximadamente 1,2°C de aquecimento global e o clima pré-industrial mais frio, seguindo métodos revisados por pares".
"Entre 26 de abril e 5 de maio de 2024, as fortes chuvas no Rio Grande do Sul causaram grandes inundações que afetaram mais de 90% do estado", citaram os pesquisadores.
Para eles, as chuvas intensas representam um evento extremamente raro, que deve ocorrer apenas uma vez a cada cem a 250 anos no clima atual.
Porém, sem o efeito da queima de combustíveis fósseis, esse evento teria sido ainda mais raro. Ao combinar observações meteorológicas com resultados de modelos climáticos, os pesquisadores estimaram que a mudança climática tornou o evento duas vezes mais provável e cerca de 6 a 9% mais intenso.
Relatório divulgado pelo grupo World Weather Attribution
Na avaliação dos pesquisadores, com o aumento do aquecimento, esses eventos se tornarão "mais frequentes e destrutivos".
"A análise mostra que, se o mundo continuar a queimar combustíveis fósseis e as temperaturas globais aumentarem 2ºC em comparação com a era pré-industrial, o que deve acontecer daqui a 20 a 30 anos, a menos que as emissões sejam rapidamente interrompidas, eventos pluviométricos semelhantes serão duas vezes mais prováveis do que são hoje", disseram.
El Niño também contribuiu
Os pesquisadores não deixam dúvidas de que o acontecimento também teve a influência do El Niño, "que desempenhou um papel no evento que foi semelhante à mudança climática". Segundo os pesquisadores, ele aumentou a probabilidade do evento em um fator de 2 a 5 e tornou as chuvas de 3 a 10% mais intensas.
A análise também concluiu que grande parte dos danos foi causada pela falha de infraestruturas, que não conseguiu conter a chuva acumulada. "O desmatamento e a rápida urbanização de cidades como Porto Alegre também contribuíram para aumentar a exposição da população e piorar os impactos."
A ausência de um evento de inundação extremo e significativo até recentemente em Porto Alegre levou à redução do investimento e da manutenção de seu sistema de proteção contra inundações, com o sistema começando a falhar em 4,5 metros de inundação, apesar de sua capacidade declarada de suportar água de seis metros.
Relatório divulgado pelo grupo World Weather Attribution
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receber"Isso, além da natureza extrema desse evento, contribuiu para os impactos significativos da inundação e aponta para a necessidade de avaliar objetivamente o risco e fortalecer a infraestrutura de inundação para que seja resiliente a essa e a futuras inundações ainda mais extremas", afirmaram os pesquisadores.
Para Regina Rodrigues, da Universidade Federal de Santa Catarina, "as mudanças climáticas estão ampliando o impacto do El Niño no sul do Brasil, tornando um evento extremamente raro mais frequente e intenso".
"O impacto devastador de tais eventos extremos sobre os sistemas humanos só pode ser minimizado com adaptação suficiente, incluindo infraestrutura de proteção contra inundações bem conservada e planejamento urbano adequado", defendeu.
As mudanças no uso da terra contribuíram diretamente para as inundações generalizadas ao eliminar a proteção natural e podem exacerbar a mudança climática ao aumentar as emissões.
Regina Rodrigues, da UFSC
Lincoln Alves, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), constatou que "o clima no Brasil já mudou, conforme revelado por estudos recentes".
De acordo com ele, o atual estudo "confirma que as atividades humanas têm contribuído para eventos extremos mais intensos e frequentes, destacando a vulnerabilidade do país às mudanças climáticas". "É essencial que os tomadores de decisão e a sociedade reconheçam esse novo normal", alertou.
Para Maja Vahlberg, consultora de risco climático da Cruz Vermelha, "o mais assustador sobre essas enchentes é que elas nos mostram que o mundo precisa estar preparado para eventos tão extremos que são diferentes de tudo o que já vimos antes".
"A mudança climática está tornando muito mais frequentes eventos que antes eram raros", disse.
A implementação de políticas que tornem as pessoas menos vulneráveis, o aumento da proteção contra enchentes e a restauração de ecossistemas naturais para amortecer o impacto de chuvas fortes são algumas das maneiras pelas quais os governos podem se preparar para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas.
Maja Vahlberg, consultora da Cruz Vermelha
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