Jamil Chade

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Na Europa, Lula diz que democracias 'correm risco' e defende ação conjunta


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quinta-feira, na Suíça, que as democracias correm risco e que é a hora de se preservar o sistema contra políticos que "vivem na base da construção de mentiras".

A viagem do brasileiro que começou hoje ocorre num momento em que a Europa vive um terremoto político, com a extrema direita avançando e uma crise política na França e Alemanha. Lula desembarcou às 6h24 do horário europeu, em Genebra. Ao UOL, fontes do alto escalão do governo confirmaram que Lula está preocupado e que vai levar o tema aos debates com líderes nesta semana.

Depois de uma parada em Genebra para um discurso na OIT (Organização Internacional do Trabalho), ele segue para a cúpula do G7, na Itália, e também deve levar a preocupação sobre o avanço da extrema direita.

"O mundo democrático sempre foi assim. Tem uma hora que os setores da esquerda ganham as eleições. Outra hora, ganha o setor mais conservador. Agora, algo que cresceu muito foi a extrema direita. Que não é nem a direita e nem a esquerda, que está ocupando o espaço", disse Lula.

"Eu tenho dito para todos: temos um problema de risco da democracia tal como nós a conhecemos", afirmou o presidente.

Lula também criticou os ataques de populistas às instituições. "O negacionista nega as instituições, nega o que é o Parlamento, o que é a Suprema Corte, o Judiciário, nega o que é o próprio Congresso. São pessoas que vivem na base da construção de mentiras", acusou.

"E sabe qual a desgraça da primeira mentira? A de passar o resto da vida mentindo para justificar. As pessoas que aprendem a fazer política mentindo passam o resto da vida mentindo, pois não podem desmentir o que falou", afirmou.

Para Lula, essa situação "é um perigo, mas é um alerta também".

"As pessoas que têm sentido e respeito pela democracia tem de brigar para que a democracia prevaleça, na Europa, na América do Sul, na Ásia", afirmou.

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O presidente indicou que, em suas reuniões no G7 e apesar do pouco tempo que terá para falar, tocará em temas como democracia, Inteligência Artificial e desigualdade.

IA e a bomba atômica

No governo brasileiro, o temor é de que a regulação da IA apenas por potências acabe repetindo o cenário da energia nuclear, restrita a poucos países. Falando na sede da ONU em Genebra na quarta-feira, o assessor especial da presidência, Celso Amorim insistiu sobre o impacto que o controle da IA pode ter para o futuro do mundo, principalmente entre os emergentes.

"Dois países detém 90% da propriedade intelectual digital", disse. Ou seja, de IA. "Isso é como o descobrimento do fogo, a invenção da energia", insistiu. "Precisamos garantir que são usadas de forma positiva e com regras justas", disse.

Sua avaliação é de que uma negociação entre China e EUA para determinar a forma de utilização da nova tecnologia é positiva. Mas alertou que esse processo não pode excluir o restante da comunidade internacional.

Nesse aspecto, ele comparou o processo à criação do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Naquele momento, os detentores da bomba mantiveram seus arsenais, com uma promessa de desmonte que jamais foi cumprida. Enquanto isso, o restante do mundo passou a ser proibido de desenvolver a tecnologia.

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"Ou um país vira pária ou abre mão de tudo", disse Amorim. "Precisa haver regulação. Mas precisa fazer de forma conjunta, com os direitos de todos para desenvolver a tecnologia", defendeu o embaixador, que lembrou como algoritmos são usados para o desenvolvimento de armas.

Líderes enfraquecidos

Lula, porém, desembarca num contexto de turbulência. Diante de um mundo em caos, um dos maiores obstáculos do G7 é a crise interna que vive alguns de seus principais integrantes. A eleição ao Parlamento Europeu catapultou a extrema direita a uma posição de força e, nos EUA, uma possível vitória de Donald Trump mudaria o cenário internacional de forma radical.

Ao redor da mesa na cúpula nos próximos dias, pelo menos seis dos sete líderes estarão em posição enfraquecida: Emmanuel Macron foi amplamente derrotado pelos rivais ultraconservadores e dissolveu o Parlamento, o alemão Olaf Scholz viu seu partido ter o pior resultado em décadas e Joe Biden tenta mostrar que ainda é capaz de liderar os EUA em um segundo mandato. Se não bastasse, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen busca apoios para renovar sua liderança e, em Londres, o primeiro-ministro Rishi Sunak convocou os britânicos às urnas de forma antecipada.

Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, já fala abertamente no fim de seu mandato, enquanto o líder japonês Fumio Kishida tem uma de suas aprovações mais baixas.

A única a mostrar conforto em sua posição é a anfitriã italiana, Giorgia Meloni. Seu partido de extrema direita tenta se consolidar como a referência da extrema direita europeia, depois de vencer o pleito no fim de semana.

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Em entrevista ao UOL, o assessor especial da presidência, Celso Amorim, confirmou que Lula irá levar um discurso sobre a necessidade de que as democracias sejam protegidas. Mas admitiu que o cenário é "o mais preocupante desde o final da Segunda Guerra Mundial".

Lula ainda saiu em defesa do líder trabalhista britânico, Keir Starmer, que concorre às eleições no Reino Unido. "Conheço ele bem e torço para que ganhe", afirmou.

"Há muito tempo os trabalhistas estão fora. A alternância de poder é uma coisa necessária. Não tem importância que, de quando em quando, o povo toma a decisão de mudar as pessoas. O povo arrisca, o povo escolhe alguém. Se der certo, tudo bem. Se não, tiram", disse.

"Mas os Trabalhistas precisam voltar a governar a Inglaterra. Precisa haver avanço na conquista no mundo do trabalho", disse.

Agenda de combate à desigualdade no centro da viagem

Lula começa sua turnê por Genebra e com um discurso com forte cunho social na Conferência Internacional do Trabalho. A redução das desigualdades, a reforma dos organismos internacionais e a defesa da democracia estarão em sua fala.

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Lula usará o palco da OIT como uma espécie de reduto, com aliados sindicalistas e governos de países emergentes. Num palco favorável e que o aplaudirá, o presidente busca reforçar sua posição de líder do mundo em desenvolvimento. Para isso, quer fazer vingar na agenda internacional o aspecto social, tanto do debate climático como dos temas econômicos e de trabalho.

Em um discurso nesta quarta-feira (12) na Organização Internacional do Trabalho, o ministro Luiz Marinho antecipou alguns dos temas que serão tratados pelo presidente. Segundo ele, sem taxar as grandes fortunas, não será possível acabar com a miséria e a fome no mundo.

O tema é uma espécie de bandeira internacional do governo Lula e pode ser central na cúpula do G20, no segundo semestre no Rio de Janeiro.

Mas o próprio organismo pena para se manter relevante e o governo Lula não descarta anunciar que o Brasil está disposto a liderar um processo de reforma nos órgãos de decisão da entidade.

G7: Ucrânia, Gaza e China

A parada seguinte de Lula, na sexta-feira (14), será a cúpula do G7. O grupo deve anunciar um novo pacote de 50 bilhões de euros de ajuda para a Ucrânia e definir uma posição para o uso dos ativos confiscados da Rússia.

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Volodymyr Zelensky também foi convidado para a cúpula e vai insistir sobre a necessidade de uma maior coordenação do Ocidente. Não existe uma previsão de uma reunião bilateral entre Lula e o ucraniano, que o criticou abertamente nas últimas semanas pela suposta aproximação do brasileiro ao russo Vladimir Putin. O Itamaraty garante que apenas quer criar condições para uma negociação de paz.

Já o governo americano, de olhos nas eleições, quer garantir que o G7 mande um recado duro contra bancos chineses que estejam driblando as sanções contra a Rússia e garantindo oxigênio ao governo de Vladimir Putin. As sanções são criticadas pelo governo Lula.

Gaza também estará sobre a agenda, com uma tentativa de um acordo entre as potências ocidentais que chancele o plano de cessar-fogo dos EUA. Mas sem ataques frontais contra Israel.

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