Lula é cobrado por indígenas na ONU: 'Nossas crianças continuam morrendo'
Lideranças indígenas afirmam que, apesar das medidas adotadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, os povos continuam ameaçados pela violência, o garimpo, a fome e doenças. A queixa foi apresentada na reunião do Mecanismo de Especialistas da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas, em Genebra.
Nos últimos dias, especialistas, ONGs e líderes indígenas realizaram reuniões na ONU, pedindo que:
- a ONU cobre uma ação do governo Lula;
- a organização amplie sua atenção ao que está ocorrendo no Brasil.
Um dos porta-vozes da operação no exterior é Júlio David Ye'kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye'kwana, da Terra Indígena Yanomami. Ele representa a Aliança de Defesa Territorial entre os povos kayapó, yanomami e munduruku. "Somos os três povos mais afetados pelo garimpo ilegal de ouro no Brasil", disse.
"O peixe que nos alimenta está envenenado e a caça fugiu para longe", afirmou, diante de governos e dos representantes da ONU.
"Nossos rios estão poluídos. As crianças já nascem em meio ao barulho dos motores e da poluição. Elas acham que nosso mundo é assim, mas não é. Costumávamos nascer com o som de pássaros e cachoeiras. Nossas crianças e mulheres estão doentes devido à poluição por mercúrio", disse.
A fala do líder indígena apontou para o fato de que as mudanças prometidas pelo governo Lula não estão sendo suficientes.
"Em 2023, o governo brasileiro declarou uma crise de saúde pública na Terra Indígena Yanomami, mas continuamos vendo nossas crianças morrendo de malária e desnutrição", alertou.
Queremos que a ONU coloque o Estado brasileiro como responsável pela proteção de nossos territórios e pela expulsão de todos os invasores. Queremos que o sistema de atendimento especial para a nossa saúde indígena seja realmente estruturado. Isso significa ter profissionais de saúde em nossas comunidades, capazes de nos tratar.
Júlio David Ye'kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye'kwana
Ele pediu a criação de um plano de tratamento urgente para as pessoas contaminadas por mercúrio, além de ampliar a pesquisa sobre contaminação por mercúrio a todas as comunidades afetadas pelo garimpo ilegal no país.
A liderança ainda cobrou do governo um plano para descontaminar os rios.
Crime organizado nas terras indígenas
Durante a reunião, outra liderança indígena também tomou a palavra. Doto Takak Ire, liderança kayapó da Terra Indígena Menkragnoti, apontou a existência da uma rede de crime organizado atuando em suas terras.
"Tem máquinas pesadas nos nossos territórios, os garimpeiros estão metidos com o crime organizado e o ouro é vendido internacionalmente", disse.
Sua cobrança foi direcionada tanto para os governos estrangeiros quanto ao brasileiro.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receber"É necessário que todos os países se comprometam em verificar a origem do ouro que estão comprando", pediu. Suíça e Canadá são os principais importadores de ouro do Brasil. Em 2022, lideranças indígenas pediram que refinarias suíças se comprometessem a não comprar ouro de Terras Indígenas, porém, a falta de mecanismos de rastreamento eficientes prejudicam a fiscalização.
Queremos que a ONU cobre o Brasil para criar leis para controlar a cadeia de comercialização do ouro e o uso das máquinas escavadeiras.
Doto Takak Ire, liderança kayapó da Terra Indígena Menkragnoti
Seu apelo é para que o governo crie leis para controlar o comércio de mercúrio e proibir o seu uso na mineração.
Ele ainda criticou o Congresso Nacional, que vai analisar a PEC 48, do marco temporal, para demarcação de terras indígenas. "O Congresso brasileiro é contra nós e muitas vezes a ameaça vem na forma da lei", disse. "Hoje a ameaça é a mineração ilegal do ouro, mas amanhã poderá ser o regulamento da mineração industrial dentro das nossas terras indígenas", alertou.
"Não queremos nenhum tipo de exploração dos recursos naturais em nossos territórios", completou.
Missão na ONU
Ao longo da semana, o grupo de indígenas, apoiado pelo Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace, Instituto Iepé, Rainforest Foundation Norway e Instituto Race and Equality, tem mostrado, aos relatores e equipes da ONU, que o garimpo em territórios dos povos kayapós, yanomamis e mundurukus disparou 495% entre 2010 e 2020.
Segundo eles, em 2023, a exploração ilegal de ouro em Terras Indígenas na Amazônia brasileira resultou no desmatamento diário de uma área equivalente a quatro campos de futebol. Nas terras dos povos kayapó, munduruku e yanomami se concentram 95% dos garimpos ilegais, totalizando 26,7 mil hectares destruídos até meados de 2024.
As lideranças Kayapó e Ye'kwana ainda apresentaram as seguintes demandas ao Estado brasileiro, em reuniões fechadas com equipes da ONU:
1. Concluir em caráter emergencial a desintrusão da TI Yanomami e implementar a desintrusão das TIs Munduruku e Kayapó;
2. Apresentar planos de proteção territorial permanentes para todos os territórios, que incluam: (i) implementação e/ou recuperação de bases de proteção territorial; (ii) controle efetivo do espaço aéreo; (iii) monitoramento remoto regular do desmatamento dentro das Terras Indígenas, com resposta rápida dos órgãos de comando e controle diante de novos alertas; (iv) formação de agentes indígenas para contribuir com a proteção territorial; (v) promoção de patrulhas regulares nas zonas sob pressão; (vi) garantia da segurança das lideranças e organizações indígenas ameaçadas por garimpeiros.
3. Garantir a expansão das pesquisas sobre contaminação mercurial nas pessoas e nos peixes que consumimos; a célere elaboração de um plano de acompanhamento e tratamento das pessoas contaminadas; e de um plano de descontaminação dos rios;
4. Desenvolver e implementar mecanismos para aprimorar a transparência e o controle da cadeia produtiva do ouro, tanto dentro do território nacional quanto nos destinos das exportações;
5. Controlar a comercialização ilegal do mercúrio, sobretudo nas fronteiras do país;
6. Controlar a comercialização de máquinas utilizadas no garimpo, como retroescavadeiras, e exigir que os fabricantes rastreiem o seu uso;
7. Concluir a demarcação da TI Sawre Muybu, do Povo Munduruku. Todos os processos de demarcação no Brasil foram severamente impactados pela Lei 14.701/2023. É urgente que o Supremo Tribunal Federal julgue a inconstitucionalidade desta lei; e
8. Garantir que não haja mineração em Terras Indígenas no Brasil, nem qualquer outro tipo de exploração que afete a salvaguarda dos biomas que nós povos indígenas sempre fizemos. Não queremos substituir o garimpo pela mineração, mas sim o garimpo pela floresta saudável.
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