Jamil Chade

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Opinião

Trump usa 'martírio' como campanha e democracia dos EUA vive definição

O disparo contra Donald Trump coloca a democracia americana numa encruzilhada e num momento de definição. Observadores, políticos e analistas tentam entender, neste momento, se o atentado abrirá uma era de violência política sem precedentes nos últimos 50 anos, ou se haverá um novo tom na disputa pelo poder.

Entre 1963, quando John Kennedy foi assassinado, até 1981, o país viveu uma série de atos de violência política. Ronald Reagan foi alvo apenas dois meses depois de tomar posse. Antes, Gerald Ford havia escapado de dois outros atentados. Assassinatos políticos passaram a fazer parte da realidade americana.

Mas não há nada que indique, por enquanto, que o caminho seja o da pacificação e nem de armistício.

No campo de Donald Trump, as cenas, o fato e ter sobrevivido se transformaram na confirmação de sua identidade política, independentemente do que dirão as investigações sobre o autor do atentado e a veiculação de sua suposta relação com os próprios republicanos.

A ordem é a de estabelecer uma narrativa que impulsione sua campanha, agora com contorno de um suposto "herói".

Imediatamente após o disparo, sua imagem com um rosto ensanguentado, o punho para cima e bandeira americana como pano de fundo foi usada. Um de seus filhos foi às redes sociais para divulgar não apenas o que promete ser um retrato ícone para os republicanos. Mas também uma mensagem clara: "esse é o lutador que os EUA precisam".

Isso tudo depois de semanas de um debate sobre a fragilidade de Joe Biden e sua falta de energia para conduzir uma superpotência em decadência.

Os apoiadores de Trump usaram o sangue como sinal de martírio pela nação, reforçando a ideia central de sua campanha: sua energia e força, traços definidores de sua identidade política diante de uma base de eleitores formada por camadas repletas de angústia e incerteza.

Trump instrumentalizou cada momento do seu "milagre". Horas depois, desceu de seu avião sozinho, sem a necessidade de ajuda. Um recado, mais uma vez, em contraposição à situação física de Joe Biden.

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A mensagem já está preparada: depois de tentarem eliminar Trump nas urnas, na Justiça e nas redes sociais, agora querem sua eliminação física. O argumento tem dois impactos: mobiliza seus eleitores como nunca e cria uma imunidade contra qualquer ataque, nas cortes ou nos discursos.

O corolário desse argumento é tão simples como cativante para seus apoiadores: Trump - um suposto resistente - representa uma ameaça ao Establishment ao supostamente dizer a "verdade".

Sem esperar nem mesmo o nome do criminoso, a campanha do republicano também não demorou para veicular a mensagem de que o disparo era resultado das mensagens de ódio dos democratas contra Trump. Uma das falas mais repetidas do campo de Biden é de que o ex-presidente republicano precisa ser "parado". Nada mais nada menos que 30 políticos republicanos foram às redes acusar os democratas, num ato visivelmente orquestrado e coordenado.

O atual presidente fez sua parte. Telefonou para Trump, pediu orações, suspendeu a campanha e condenou o ataque. Mas os democratas ficaram órfãos de uma das principais alegações que usavam: a violência política que o trumpismo representa.

Os próximos meses devem ser marcados como os mais tensos da história recente da democracia americana. Entre diplomatas nos EUA, não se exclui que a violência política amplie qualquer disposição a retomar cenas como a do assalto ao Capitólio ou incidentes e atentados em outros locais do país.

Há poucos dias, Jacob Chansley, que se vestiu de viking na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, anunciou que estava pedindo os chifres de sua fantasia de volta. Eles estão retidos com as autoridades e o "QAnon Shaman", como é conhecido, quer usa-las na campanha eleitoral.

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A maior superpotência vive uma encruzilhada em sua história. E não há garantias de que o caminho tomado seja o de abandonar a violência.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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