Jamil Chade

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Reportagem

Maduro mantém cerco a embaixada, rompe acordo e abre crise com Brasil

Na noite de sexta-feira (6), de forma emergencial, embaixadores e diplomatas brasileiros foram convocados para uma reunião extraordinária no Itamaraty: o governo Lula (PT) havia recebido um alerta de que a embaixada que assumiu em Caracas, e que era da Argentina, estava cercada por homens encapuzados. A eletricidade havia sido cortada e o risco real era de uma invasão.

Horas depois, os venezuelanos rompiam o acordo no qual se estabelecia a autorização para que o Brasil fosse o responsável pelo local, abrindo o que pode ser um dos maiores impasses diplomáticos em anos na região.

O governo brasileiro pediu à Venezuela que a embaixada não seja invadida. O regime de Nicolás Maduro sinalizou que estava disposto a atender ao pedido.

Mas a manutenção do cerco e o corte de eletricidade levantaram dúvidas dentro do Palácio do Planalto de que Maduro cumprirá qualquer tipo de acordo.

Nas diplomacias latino-americanas, a percepção é de que o venezuelano criou uma situação constrangedora e delicada para o Brasil. "Maduro traiu Lula", afirmou um experiente embaixador andino.

Logo depois da eleição de 28 de julho, o governo Maduro expulsou os diplomatas argentinos de Caracas. O gesto ocorreu por conta da reação do governo de Javier Milei de não reconhecer a suposta vitória de Maduro e insistir que o pleito havia sido alvo de fraude.

Mas, dentro da embaixada, estavam seis integrantes da oposição venezuelana, foragidos da justiça. Na prática, a expulsão dos diplomatas significava que o governo Maduro poderia romper a inviolabilidade da embaixada e capturar os opositores.

Para evitar uma crise ainda mais grave, o governo brasileiro fechou um acordo no qual passou a assumir os interesses da Argentina em Caracas, inclusive da estrutura da embaixada. O Brasil fez o mesmo com a embaixada do Peru após a expulsão dos diplomatas daquele país pelos mesmos motivos.

Ficou estabelecido que, a partir daquele momento, aquela era também uma área brasileira e que continuava fora do alcance das forças de ordem de Maduro. Até mesmo uma bandeira brasileira chegou a ser colocada no local por alguns dias.

Maduro, assim como fez com os acordos com o Brasil no que se refere à lisura da eleição, também violou mais esse entendimento, abrindo uma crise sem precedentes.

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Maduro fala em planos de assassinatos, sem provas

Em nota, o governo venezuelano afirmou hoje que decidiu revogar a custódia brasileira da embaixada da Argentina em Caracas por ter "provas" de que o local está sendo usado para planejamento de atos "terroristas" e de "tentativas" de assassinato contra ele e sua vice, Delcy Rodríguez.

As provas, no entanto, não foram apresentadas.

A crise aprofunda a tensão entre o governo de Maduro e o presidente Lula, que não reconheceu a vitória do venezuelano e busca uma maneira de mediar a crise.

Em um comunicado, o governo da Venezuela anunciou que "tomou a decisão de revogar, com efeitos imediatos, a aprovação concedida ao Brasil para representar os interesses da República Argentina e dos seus nacionais em território venezuelano, bem como a custódia das instalações da missão diplomática Brasil para exercer a representação dos interesses da República Argentina e dos seus nacionais em território venezuelano, bem como a custódia das instalações da missão diplomática, incluindo os seus bens e arquivos, conforme anunciado no comunicado conjunto de 5 de agosto de 2024".

O governo Maduro indicou que a decisão foi notificada ao Brasil por via diplomática.

"A Venezuela vê-se obrigada a tomar esta decisão devido às provas da utilização das instalações desta missão diplomática para o planejamento de atividades terroristas e tentativas de assassinato contra o Presidente Constitucional da República Bolivariana da Venezuela, Nicolás Maduro Moros, e contra a Vice-Presidente Executiva, Delcy Rodriguez Gómez, por parte de fugitivos da justiça venezuelana que permanecem no interior da missão", disse o governo, no comunicado.

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"A República Bolivariana da Venezuela, na qualidade de Estado receptor, toma esta medida em conformidade e no pleno respeito da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 e da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963", afirmou o governo Maduro.

ONU diz que Maduro inventa ameaças para justificar repressão

Em informe emitido há dois meses, a ONU alertou que as autoridades venezuelanas usavam o argumento de supostos atentados contra o presidente para justificar atos de repressão.

Na investigação da ONU, a entidade sugeria que esses supostos planos de assassinatos não existiam.

O governo de Joe Biden também denunciou o ato de Maduro e saiu hoje em apoio ao Brasil.

"Manifestamos o nosso apoio inabalável aos governos do Brasil e da Argentina face às ações ameaçadoras dos representantes de Maduro na Venezuela", afirmou Brian Nichols, subsecretário norte-americano para o Hemisfério Ocidental.

"Maduro deve pôr fim à sua repressão e intimidação do povo venezuelano", afirmou.

Mobilização e preocupação no Itamaraty

O UOL apurou que, diante da situação, a Secretaria Geral do Itamaraty se reuniu em caráter de emergência na noite de ontem para avaliar a situação. O caso ainda está sendo tratado entre a Presidência, o chanceler Mauro Vieira, que está em Omã, e a Secretaria Geral.

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De acordo com o Itamaraty, o governo Maduro confirmou a retirada do status do Brasil em um comunicado oficial para Brasília. A chancelaria brasileira respondeu, alegando que esperaria a designação de um novo país para assumir a responsabilidade. Ou seja, não iria simplesmente sair.

A atitude de Maduro contrasta com sua própria postura quando, no começo do ano, denunciou o governo do Equador por invadir a embaixada do México em Quito.

Na época, o argumento era de que tal postura violava o direito internacional e os acordos diplomáticos. Como resultado da invasão, Maduro fechou, em protesto, sua embaixada e consulados em Quito em abril.

O Brasil deixou claro, na resposta, que não irá ceder e que apenas deixaria suas funções quando houver um novo acordo para que outro governo assuma o local.

A chancelaria explicou que um gesto unilateral não basta para que essa custódia seja revogada e que o Brasil continua assumindo a responsabilidade pelo local.

Pelas regras diplomáticas, o Itamaraty se mantém nesta posição até que um novo governo seja designado para ocupar o local -- isso precisa ocorrer em comum acordo entre Argentina e Venezuela, além do próprio Brasil.

Segundo o governo Lula, o Brasil vai continuar representando os interesses e protegendo os refugiados até que se designe um país substituto. A meta é de que não haja um vácuo na situação de inviolabilidade das sedes diplomáticas.

Embaixadores, porém, admitem que não sabem se Maduro vai seguir os protocolos internacionais da diplomacia.

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Em comunicado emitido hoje, o governo brasileiro afirmou que "recebeu com surpresa a comunicação do governo venezuelano".

"De acordo com o que estabelecem as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e sobre Relações Consulares, o Brasil permanecerá com a custódia e a defesa dos interesses argentinos até que o governo argentino indique outro Estado aceitável para o governo venezuelano para exercer as referidas funções", explicou.

O governo brasileiro ainda ressaltou "a inviolabilidade das instalações da missão diplomática argentina, que atualmente abrigam seis asilados venezuelanos além de bens e arquivos".

Tensão entre Lula e Maduro

O cerco aumenta a tensão diplomática e passa a ser acompanhado de perto pelo governo Lula.

O gesto ocorre depois da ordem de captura lançada pela Justiça venezuelana contra o candidato da oposição, Edmundo González.

Nesta semana, foi o governo da Argentina que enviou ao Tribunal Penal Internacional um pedido para que haja uma ação para solicitar a prisão de Maduro.

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A oposição venezuelana, nas redes sociais, também denunciou que forças de segurança estão cercando o local.

Pedro Noselli, coordenador de internacional da líder opositora María Corina Machado, divulgou a situação nas redes sociais. O homem, que está asilado no local, relatou que homens encapuzados e armados estavam cercando a embaixada por volta das 20h30 (horário local) de sexta -- 21h30, no horário de Brasília.

Às 23h20 (horário de Brasília), Pedro Noselli publicou outro vídeo no Instagram para mostrar a movimentação ao redor da embaixada. Segundo o coordenador, mais agentes encapuzados e armados, e patrulhas chegam ao local.

No registro, é possível visualizar ao menos seis carros em movimento e o que seria uma viatura com o giroflex ligado.

No Instagram, Corina compartilhou o primeiro relato do coordenador no X (antigo Twitter) e um vídeo publicado por Noselli.

Asilado no local, Omar Gonzalez Moreno, aliado de Corina e membro da direção nacional do partido opositor Vente Venezuela, também divulgou um vídeo nas redes sociais e informou que a energia da embaixada foi cortada.

Na manhã deste sábado, policiais continuavam nos portões principais da embaixada, enquanto viaturas eram estacionadas nos muros dos prédios. Segundo os venezuelanos dentro da embaixada, perto do meio-dia do horário de Caracas houve um número cada vez maior de agentes encapuzados, com barreiras numa das vias de acesso. O local continuava sem eletricidade.

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