Brasil desafia Israel e Trump para salvar agência da ONU para palestinos
O governo brasileiro vai liderar uma ofensiva diplomática para tentar blindar a agência da ONU que lida com os refugiados palestinos, a UNRWA, dos ataques de Israel e do governo de Donald Trump.
Nesta segunda-feira (18), o Brasil estará na linha de frente da reunião do Conselho da Agência na condição de vice-presidente e atuando em coordenação com a presidência espanhola. Numa demonstração da importância política do encontro, o Itamaraty decidiu enviar a Genebra a secretária-geral da chancelaria, Maria Laura da Rocha.
Em janeiro, entram em vigor duas novas leis aprovadas no parlamento israelense. Uma delas proíbe o trabalho da agência e a outra cortando o contato entre Israel e a UNRWA.
O Ministério das Relações Exteriores de Israel enviou uma carta ao presidente da Assembleia Geral, Philomen Yang, em 3 de novembro, cancelando formalmente o acordo de 1967 entre Israel e a UNRWA. A suspensão começa a valer em 90 dias.
Israel, assim, não emitirá mais vistos de trabalho ou de entrada para os funcionários da agência, e qualquer aparência remanescente de coordenação da entidade com os militares israelenses, como a permissão do fluxo de ajuda, será encerrada.
As leis são resultado de meses de uma campanha intensa por parte de Benjamin Netanyahu contra a agência. A ofensiva começou quando Israel denunciou o envolvimento de funcionários da entidade nos ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro de 2023. Naquele momento, os maiores doadores suspenderam os repasses para a agência, até que houvesse uma investigação.
A conclusão do inquérito indicou que a entidade precisaria passar por algumas mudanças. Mas destacou que não haveria como incriminar 20 mil funcionários e o trabalho da agência por conta do envolvimento de menos de uma dúzia de trabalhadores. Os recursos voltaram a ser enviados para a organização, ainda que o governo Joe Biden tenha resistido.
A meta da aliança entre Espanha e Brasil é a de costurar a aprovação de uma resolução garantindo o futuro da agência, tanto com uma declaração política como com a promessa de recursos.
O Brasil é o único país latino-americano a fazer parte da cúpula da agência e vem defendendo o trabalho da instituição. Num discurso no mês passado na ONU, o chanceler brasileiro Mauro Vieira afirmou que os ataques contra a UNRWA "são uma rejeição flagrante do sistema multilateral e de tudo o que a Carta das Nações Unidas representa".
"O Brasil condena a decisão do Knesset de aprovar leis contra a UNRWA", disse. "Ao tentar desmantelar serviços essenciais para os palestinos, essas leis agravam o sofrimento de um povo já devastado e contrariam o pedido da Corte Internacional de Justiça para que Israel facilite o acesso a assistência humanitária em Gaza", afirmou.
Segundo ele, os "esforços para enfraquecer a UNRWA não são apenas ataques a uma instituição, mas à própria sobrevivência e dignidade do povo palestino". "Atacar a UNRWA não eliminará o status de refugiado do povo palestino, nem a responsabilidade da comunidade internacional de proteger aqueles que precisam", afirmou.
"Devemos rejeitar essa lei pelo que ela realmente é — um precedente perigoso que enfraquece o multilateralismo e abre caminho para uma maior erosão da ordem global", disse.
Temor de que Trump amplie a crise
A nova situação coincide com a chegada do governo Trump que, nos últimos dias, anunciou a nomeação de embaixadores e representantes que deixaram os palestinos em estado de alerta.
Em seu primeiro governo, o republicano suspendeu os repasses do governo norte-americano à agência, levando a entidade a enfrentar sérias dificuldades. Mas não existia, naquele momento, uma ofensiva militar da dimensão que Israel realiza em Gaza.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberObservadores e diplomatas acreditam que, com Trump de volta ao poder, esse dinheiro pode secar de forma definitiva.
Na semana passada, o Conselho de Segurança da ONU "advertiu fortemente contra qualquer tentativa de desmantelar ou diminuir" o trabalho e o mandato da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina depois que Israel aprovou uma lei proibindo suas operações.
Em uma declaração adotada por consenso, o órgão que reúne 15 membros expressou profunda preocupação com a lei aprovada pelo parlamento israelense.
O Conselho "conclamou o governo israelense a aderir às suas obrigações internacionais, respeitar os privilégios e a imunidade da UNRWA e cumprir sua responsabilidade de permitir e facilitar a entrega total, rápida, segura e desimpedida de ajuda humanitária em todas as formas em Gaza e em toda a Faixa de Gaza".
Para o chefe da UNRWA, uma geração inteira de palestinos na Faixa de Gaza "terá o direito à educação negado" se a agência entrar em colapso.
O Comissário Geral da UNRWA, Philippe Lazzarini, disse que sua implementação "terá consequências catastróficas". "Em Gaza, o desmantelamento da UNRWA colapsará a resposta humanitária das Nações Unidas, que depende fortemente da infraestrutura da agência", disse ele a um comitê da Assembleia Geral da ONU. "A educação está claramente ausente das discussões sobre Gaza sem a UNRWA."
"Na ausência de uma administração pública ou de um estado capaz, somente a UNRWA pode oferecer educação a mais de 660 mil meninas e meninos em Gaza. Na ausência da UNRWA, o direito à educação será negado a uma geração inteira", disse ele, alertando que isso ampliaria "as sementes da marginalização e do extremismo".
Para ele, a agência vive "seu momento mais sombrio".