Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Hino a um genocida: artistas cantam a síntese do horror bolsonarista
"Com toda a certeza, o índio mudou. Está evoluindo. Cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós"
"Quem quiser vir aqui [ao Brasil] fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. O Brasil não pode ser um país de turismo gay. Temos famílias"
"Fui num quilombola em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais"
"Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens. A quinta eu dei uma fraquejada e aí veio uma mulher"
"Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos"
"Vai comprar vacina. Só se for na casa da tua mãe"
"Muitas [vítimas] tinham alguma comorbidade, então a Covid apenas encurtou a vida delas por alguns dias ou algumas semanas"
"Eu não sou coveiro"
"A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo"
"Se tomar vacina e virar jacaré não tenho nada a ver com isso"
"O cara que entra na pilha da vacina é um idiota"
"Se eu estivesse coordenando a pandemia não teria morrido tanta gente"
"Lamento profundamente, mas é um número insignificante" - 622.801 mortes na pandemia.
Provavelmente você já deve ter lido ou ouvido algumas dessas frases ditas pelo presidente Jair Bolsonaro. Frases misóginas, preconceituosas e negacionistas. Foram tantos absurdos nesses quatro anos de governo que, de certo modo, naturalizamos as suas barbaridades. Nos acostumamos a tal ponto, que vínhamos numa toada desanimada, numa espécie de letargia coletiva, com se nada do que disséssemos ou fizéssemos poderia reagir à essas violências.
Entretanto, sempre acreditei que arte também poderia ser um instrumento poderoso contra a barbárie. No último dia 17, um grupo de artistas lançou o "Hino ao Inominável". A letra da música é assinada por Carlos Rennó e traz o repertório de algumas frases nefastas de Bolsonaro, frases que vão desde a negação de que houve ditadura no Brasil, a preferência por ter um filho morto a um filho homossexual, além de frases racistas e misóginas, ataques à imprensa e a recusa de dados científicos sobre a pandemia e o desmatamento na Amazônia.
Os artistas Wagner Moura, Bruno Gagliasso, Zélia Duncan e Chico César estão entre os cantores. O hino é, na verdade, um manifesto musical de 13 minutos e que ganhou um clipe publicado no YouTube no último sábado. O projeto é uma tentativa de não esquecermos as atrocidades cometidas por Bolsonaro nesses anos todos de governo e, pode, também, nos ajudar a compreender como chegamos até aqui. A canção, portanto, mais do que um manifesto, é sobretudo um registro histórico e necessário, pois a arte também tem esse papel de captar o sentimento do seu tempo e inscrevê-lo num formato artístico.
O clipe abre com o ator Wagner Moura, diretor do filme "Marighella", que sofreu fortes resistências e tentativas de censura para estrear no brasil. Moura canta: "Ao som raivoso de uma voz inconfiável que diz e mente, e se desmente e se desdiz". Em seguida, entra a voz de Caio Prado lembrando a fala racista de Bolsonaro ao tratar negros por arroba e que não serviam nem para procriar. Ao som do violoncelo de Jaques Morelembaum, os cantores, artistas e intelectuais se alternam entre frases e interpretações.
O cenário do clipe segue o padrão de canções/manifestos com imagens de artistas num ambiente de estúdio de gravação. A montagem, a interpretação e algumas vozes que se interpõem dão o tom dramático da canção, mas sem pieguice. A letra é simples e direta contendo as frases abomináveis de Bolsonaro e, ao mesmo tempo, trazem críticas. Uma opção que, de certo modo, tem potencial para chegar na população de modo mais abrangente. Não há metáforas ali, pois os absurdos como o que vivenciamos nos últimos anos devem ser ditos diretamente.
No entanto, o clipe é também alentador ao trazer no refrão um pouco de esperança: "Mas quem dirá que não é mais imaginável. Erguer de novo das ruínas o país?" Uma pergunta que poderá ser respondida no próximo dia 2 de outubro, é o que sugere o projeto musical.
Abaixo a lista de todos os intérpretes:
André Abujamra, Arrigo Barnabé, Bruno Gagliasso, Caio Prado, Cida Moreira, Chico Brown, Chico César, Chico Chico, Dexter, Dora Morelenbaum, Héloa, Hodari, Jorge Du Peixe, José Miguel Wisnik, Leci Brandão, Lenine, Luana Carvalho, Marina Íris, Marina Lima, Monica Salmaso, Paulinho Moska, Pedro Luís, Péricles Cavalcanti, Preta Ferreira, Professor Pasquale ,Ricardo Aleixo, Thaline Karajá, Vitor da Trindade, Wagner Moura e Zélia Duncan.
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