Josias de Souza

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Opinião

Há 20 anos governos sabotam plano nacional de segurança

O tema da segurança pública ressurgiu como uma unha encravada nos pés de barro do Estado brasileiro. Tornou-se um desafio suprapartidário. Expõe debilidades crônicas de governos estaduais de direita, como o do Rio de Janeiro, e de esquerda, como o da Bahia. Em âmbito federal, ameaça a popularidade de Lula. Envenenado por demandas emergenciais, o debate ofusca uma moléstia histórica. O Brasil possui diagnósticos sólidos. Dispõe também de um plano nacional consistente. O descaso e a inépcia negligenciam as prescrições e bloqueiam há duas décadas o uso do remédio disponível na prateleira.

A solução se chama Susp, Sistema Único de Segurança Pública. Nasceu de sugestões de especialistas em 2003, ano inaugural do primeiro mandato de Lula. Foi engavetado. Apenas em 2012, sob Dilma Rousseff, o Planalto enviou ao Congresso um projeto de lei. Permaneceu no freezer por seis anos. Em 2018, quando o então presidente Michel Temer decretou intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro, a proposta foi aprovada em ritmo emergencial na Câmara e no Senado. Sancionada por Temer em junho de 2018, virou a lei 13.675.

Para satisfação do crime organizado, a nova lei virou letra morta. No essencial, encontra-se pendente de implementação. Com um pé no Ministério da Justiça e outro no Supremo Tribunal Federal, o ministro Flávio Dino acena com a hipótese de retirar a lei do papel. Neste domingo, Dino escreveu nas redes sociais: "Após anos de abandono, buscamos dar efetividade à lei 13.675, que regula o Susp (Sistema Único de Segurança Pública) e aprovou a Política Nacional de Segurança Pública."

Mal comparando, o Susp segue a filosofia de integração do SUS, o Sistema Único de Saúde. Prevê a integração das ações e o compartilhamento de dados de todos os órgãos de segurança do país em âmbito federal, estadual e municipal. Caberia à União coordenar o sistema. Junto com o Susp, instituiu-se o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

Concebido como política de Estado, o plano seria elaborado pelo Ministério da Segurança Pública, então chefiado por Raul Jungmann, e atravessaria diferentes mandatos, com prazo de implementação de 10 anos. Em 2020, dois anos após a publicação da lei, estados e municípios deveriam ter levado à vitrine planos locais, sob pena de deixar de receber verbas federais. Àquela altura, o inquilino do Planalto era Bolsonaro, cuja política de segurança trocou medidas estruturais pela liberalização indiscriminada de armas.

Além de reforçar o arsenal do crime organizado, a estratégia de Bolsonaro deixou perneta outra novidade incluída na lei 13.675: o Sinesp, sigla de Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas. Deveria funcionar como o Datasus, que reúne todos os dados da saúde pública no Brasil. Na área da segurança, o controle das armas virou ficção.

Flávio Dino reverteu a flexibilização armamentista. Mas responde às mazelas conjunturais com a adoção de medidas emergenciais que se revelaram historicamente ineficazes. Lula anuncia neste início de semana novas providências no setor de segurança. Tudo parecerá pouco sem a efetivação do compromisso de Dino de colocar o Susp em pé.

Tomando-se a lei ao pé da letra, isso incluiria a criação de conselhos estaduais e municipais de segurança, a fixação de metas aferíveis anualmente e a instituição de uma conferência nacional para avaliar, a cada cinco anos, a eficácia da estratégia unificada de combate à criminalidade.

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Lula faz por pressão o que se absteve de realizar há 20 anos, quando refugou as sugestões de especialistas. Pesquisa realizada pelo Datafolha no mês passado revelou que a violência escala no ranking das preocupações do brasileiro. Disseram estar inseguros 71% dos entrevistados. Em manifestação espontânea, a violência foi citada como maior problema do país por 17% dos brasileiros, mesmo percentual atribuído à saúde. Na pesquisa anterior, feita em dezembro de 2022, a violência somava 6% das menções. A saúde, 21%.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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