Lula joga Haddad na frigideira do petismo e de movimentos sociais
Ao retardar o anúncio do pacote de cortes orçamentários de Fernando Haddad, Lula transformou numa dúvida seu compromisso com a agenda do ministro da Fazenda. De resto, a hesitação de Lula contribuiu para converter em certeza negativa o comprometimento do PT e dos movimentos sociais com a pauta da equipe econômica do governo.
Num instante em que Haddad rala para dar à luz o seu ajuste fiscal, Lula sustentou numa entrevista exibida no domingo pela Rede TV! que "não tem problema" se o governo se endividar para "construir um ativo novo". Que ativo? Não esclareceu. Lula declarou, de resto, que não se deve acreditar num mercado que fala "bobagem todo dia". Afirmou que vai "vencer" o mercado "outra vez".
No mesmo dia em que a entrevista de Lula foi ao ar, entidades como MST e CUT, partidos como PSOL e PDT, e o próprio PT divulgaram um manifesto contra os cortes pretendidos por Haddad. No texto, acusam a mídia e o mercado de fazer "pressões inaceitáveis" para "constranger o governo" a cortar verbas destinadas à saúde, educação, trabalhadores, aposentados, idosos e obras de infraestrutura.
Amigo de Lula, o deputado estadual Emídio de Souza, quadro tradicional do PT, estranhou o fato de Gleisi Hoffmann, presidente da legenda, ter endossado o manifesto anticortes sem submeter a decisão às instâncias partidárias. Emídio acertou no olho da mosca ao afirmar que "o PT não pode fazer de conta que não é governo e nem desconhecer os claros limites do orçamento público" e das normas que "regem a receita e a despesa do governo".
Editoriais uníssonos do Globo, Folha e Estadão refletem a frustração e até o espanto dos donos da mídia com a não divulgação, até agora, dos chamados ajustes fiscais que eles tanto exigem. Eles esperam impor ao governo e ao país o sacrifício dos aposentados, dos trabalhadores,…
-- Gleisi Hoffmann (@gleisi) November 10, 2024
O descompromisso do PT e dos pseudoaliados com a pauta econômica não tem importância diante da precariedade das contas nacionais e do esforço necessário para recolocá-las nos trilhos. O essencial é constatar que um presidente da República que reclama do mercado age mais ou menos como piloto de avião que se queixa da existência do céu.
Ao transformar o debate sobre cortes que Haddad considera vitais para salvar regras fiscais que o próprio governo criou, o presidente como que empurra seu ministro da Fazenda para a frigideira do PT e dos movimentos sociais. Lula faria um bem a si mesmo se prestasse atenção a um ensinamento de Tancredo Neves. Presidente não pode ficar embaralhando o tempo todo, dizia Tancredo. Em algum momento, Lula precisa cortar o baralho e distribuir as cartas.
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