Nos EUA, polícia saúda branco com fuzil e atira para matar negro desarmado
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Quando lhe perguntarem o que é racismo estrutural, cite o seguinte dado sobre a realidade brasileira. O Atlas de Violência 2020 mostra que, entre 2008 e 2018, o número de homicídios de negros cresceu 11,5%. No mesmo período, caiu 12,9% a taxa de pessoas não negras assassinadas.
Nos Estados Unidos (EUA), fica mais fácil ainda desenhar o racismo estrutural, aqui chamado com maior frequência de "sistêmico".
Em Kenosha, no estado de Wisconsin, Jacob Blake, desarmado, levou sete tiros pelas costas na tarde de domingo. Um policial branco não hesitou em disparar, num ato de brutalidade comumente praticado por agentes da lei nos EUA.
Na mesma cidade, na madrugada de terça para quarta-feira, um adolescente de 17 anos, Kyle Rittenhouse, caminhou duas vezes na frente da polícia sem ser incomodado, apesar de estar armado com um fuzil semiautomático e de manifestantes gritarem que ele havia atirado nas pessoas. Para os policiais, pareceu normal um miliciano patrulhar as ruas numa noite de protesto apesar do toque de recolher ordenado pelas autoridades.
Menor de idade, Rittenhouse seria apreendido no dia seguinte no estado de Illinois, vizinho de Wisconsin. Há tratativas para que ele seja transferido para Wisconsin, onde a lei permite que possa ser processado judicialmente como adulto.
Rittenhouse foi acusado pela polícia de assassinar duas pessoas na madrugada de quarta. Ele é suspeito de ter dado os tiros que mataram dois homens, Anthony Huber, 26, e Joseph Rosenbaum, 36, e que feriram um terceiro, Gaige Grosskroutz, 26.
Milícia branca já invadiu prédio público em protesto
Cenas de homens brancos armados andando normalmente pelo país são comuns nos Estados Unidos, sobretudo em alguns estados do meio-oeste e do sul. Em Michigan, em maio, uma milícia branca foi ao Legislativo estadual protestar contra a quarentena decretada pela governadora Gretchen Whitmer.
Na época, o presidente Donald Trump postou no Twitter uma mensagem pedindo a liberação do estado, incentivando manifestantes que estavam contrariados com as medidas sanitárias rigorosas e corretas da governadora Whitmer.
O jovem de 17 anos acusado de duplo homícidio em Kenosha é admirador de Trump e defensor do movimento "Blue Lives Matter", que prega maior dureza penal contra quem mata policiais. Rittenhouse se apresentou em vídeos gravados na madrugada de quarta-feira como um vigilante das ruas de Kenosha.
Num dos dois vídeos em que Rittenhouse interagiu com policiais, um deles usa o alto-falante do veículo blindado para agradecer aos vigilantes pelo trabalho que realizavam naquela noite.
Ontem George Floyd, hoje Jacob Blake
O caso de Jacob Blake, que está paralisado da cintura para baixo, segundo a sua família, é comparado ao episódio da morte de George Floyd, em 25 de maio. Naquele dia, um policial branco imobilizou Floyd e se ajoelhou no pescoço dele durante quase nove minutos. Esse assassinato desencadeou uma onda de grandes protestos em maio e junho contra a violência policial e o racismo estrutural, num movimento comparado à histórica luta pelos direitos civis nos anos 60
Na quinta-feira, estrelas do mundo esportivo, sobretudo do basquete, protestaram em solidariedade a Blake. A NBA, a associação nacional de basquete, cancelou a rodada de jogos enquanto oradores da Convenção Nacional Republicana procuraram retratar Trump como um defensor da América branca, ameaçada pelo "socialismo" de Joe Biden e pela agenda da "esquerda radical" democrata que quer tirar verbas da polícia.
O vice-presidente Mike Pence condenou a violência nas ruas, no contexto de crítica a saques e incêndios de estabelecimentos privados e prédios públicos. Mas não deu uma palavra a respeito da brutalidade policial que atingiu Blake, tampouco se manifestou sobre as vítimas do adolescente Rittenhouse.
As cenas dos últimos dias em Kenosha e na Convenção Nacional Republicana não deixam nenhuma dúvida. Há uma América branca e uma América negra. Numa delas, um homem pode andar armado livremente pelas ruas sem ser incomodado pela polícia. Na outra, um homem corre o risco de ser baleado pelas costas devido à cor da sua pele.
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