Leonardo Sakamoto

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Opinião

Eduardo Bolsonaro dá a receita do que não fazer em um país conflagrado

O assassinato de uma estudante de 17 anos por um aluno de 16 anos que usou a arma do pai, na Escola Estadual Sapopemba, nesta segunda (23), será lembrado para reforçar que foi correta a decisão de uma parcela dos argentinos que fugiu do voto em Javier Milei. O ultradireitista defende a liberação das armas de fogo.

Isso vai criar mais um constrangimento para o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que foi ao país vizinho dar apoio a Milei e acabou tendo a transmissão de uma entrevista à TV cortada, neste domingo, exatamente ao defender o armamento da população.

Na Argentina, como no Brasil, vivemos um clima conflagrado. Isso, aliado à implosão do diálogo e da empatia e o buraco em que se encontra nossa saúde mental, faz com que a violência seja o caminho para a solução dos problemas cotidianos. Com mais armas à disposição, o resultado é trágédia.

Se o jovem de Sapopemba tivesse uma faca ao invés de um revólver, a tragédia ainda poderia acontecer, mas seria mais limitada. Levantamento do Instituto Sou da Paz aponta que 76% das mortes em escolas foram causadas por balas enquanto 24% por objetos cortantes ou perfurantes

O que ocorre quando armas de fogo são postas por um presidente da República como solução dos problemas? E no qual a flexibilização do controle de acesso a elas, permite que desavenças cotidianas tenham fins trágicos, quando alguém perde a cabeça e puxa o gatilho? Quantas mortes em escolas e em baladas ou feminicídios ocorrem pela facilidade de acessar armas? No Brasil, temos a resposta.

A posição de Milei, que disputará o segundo turno com o peronista Sergio Massa, foi amplamente explorada na reta final da campanha. Os adversários afirmaram que, caso as ideias de "El Loco" sejam colocadas em prática, isso aumentará a violência, como a que temos no Brasil.

Por exemplo, a candidata Patricia Bullrich, de centro-direita, que ficou em terceiro, atacou o ultradireitista no último debate presidencial por conta disso. "Milei quer liberar as armas e as armas liberadas vão cair nas mãos dos deliquentes", disse ela. "Para as mães e pais, digo a vocês que, se liberarem as armas, vão parar nas mãos dos traficantes e vão terminar em massacres nas escolas", afirmou.

Não importa que crianças não podem ter acesso a armas. Quanto mais delas estiverem em circulação, mais fácil serão usadas.

No Brasil, a defesa da liberação de armas provocou críticas, mas não é possível dizer que foi decisiva para afastar uma parte significativa do eleitorado de Jair Bolsonaro. Por lá, a situação pode ter sido diferente.

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O peronismo kirchnerista conseguiu mostrar a uma parcela da população o impacto das ideias de Milei, o que ajudou o seu candidato, Sergio Massa, a passar em primeiro lugar para a segundo etapa da eleição, com quase sete pontos percentuais de distância, frustrando as expectativas da ultradireita de liquidar já a fatura. Do corte de subsídios aos transporte significando passagens mais caras à liberação de armas significando mais mortes.

O jornalismo não está desconectado de sua sociedade. Durante entrevista ao canal de TV argentino C5N, neste domingo, Eduardo Bolsonaro afirmou que o bolsonarismo estava alinhado às visões de Milei quando começou a falar de armamento. Afirmou que, no Brasil, era necessário ter idade mínima e fazer um exame prático para ter acesso a elas.

Quando falou de facilitar o acesso a armas de fogo à população, a transmissão de sua fala foi interrompida. "Defender armas de fogo para os cidadãos significa dar condições para a legítima defesa...". Na sequência, ele foi criticado pelos jornalistas no estúdio. O apresentador, Gustavo Sylvestre, ironizou: "por isso que os brasileiros, com lógica, tiraram o seu pai do poder, felizmente".

Isso mostra que a C5N aprendeu com a experiência dos Estados Unidos.

Por exemplo, a ABC, CBS e NBC, três das maiores emissoras de TV norte-americanas, interromperam a transmissão ao vivo de um pronunciamento do então presidente Donald Trump, em 5 de novembro de 2020, para avisar que ele estava mentindo sobre o sistema de votação. Ou seja, quando perceberam que a declaração era um ataque à democracia, trataram de deixar isso claro.

Países que estão politicamente conflagrados precisam de políticos que coloquem água na fervura e não lenha na fogueira.

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Isso foi insistentemente cobrado de Jair após o bolsonarista Jorge Guaranho executar o petista Marcelo Arruda, em julho do ano passado, em Foz do Iguaçu, em um assassinato de caráter político. O presidente não conclamou calma a todos os seus seguidores. O resultado foi trágico.

Sim, nesse sentido, o Brasil é o exemplo do que pode dar errado na Argentina.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL