Leonardo Sakamoto

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Opinião

Neste 1º de maio, jornalista precisa se lembrar que também é trabalhador

Neste Dia dos Trabalhadores, é preciso reconhecer que, nós, jornalistas, muitas vezes não nos reconhecemos como classe trabalhadora. Devido às peculiaridades da profissão, desenvolvemos laços com o poder e convivemos em seus espaços sociais e culturais, seduzidos por ele ou enganados por nós mesmos. Só percebemos que essa situação não é real e que também somos operários, transformando fato em notícia, análise e opinião quando nossos serviços não são mais necessários em determinado lugar.

Ou, às vezes, nem isso. Já vi colegas se culparem por terem sido demitidos sem justa causa no melhor estilo "perdoa-me por me traíres" de Nelson Rodrigues. "Deveria ter virado mais madrugadas na redação", "deveria ter me oferecido para trabalhar em todos os finais de semana", "não deveria ter pedido férias depois de dois anos".

Negociar é, não raro, visto como coisa de "caixa de banco", de "operário sujo de graxa" ou de "condutor de trem que atrasa nossa vida e gera congestionamentos na cidade". Ou de inglês, francês e norte-americano que são Primeiro Mundo. Enquanto isso, quem tem consciência de que é um trabalhador e reivindica coletivamente, como muitos bancários, metalúrgicos e metroviários, tem mais chances de obter o que acha justo.

Quando vejo algumas coberturas jornalísticas de protestos e greves ou do debate sindical fico pensando como nós, que não conseguimos nos reconhecer como classe trabalhadora, podemos entender as reivindicações de trabalhadores. O fato é que não somos observadores externos e nem podemos ser. Somos parte desse tecido social, desempenhamos uma função, somos parte da engrenagem, gostemos ou não.

Muitos não se perguntam de onde vem o reajuste. Como uma criança que acha que o leite vem do mercado, pensamos que o reajuste vem do nada, sem ter sido fruto de muito diálogo entre capital e trabalho. Não é irônico que os profissionais que informam sobre e analisam a democracia diariamente não exerçam sua "cidadania profissional"?

A vida de jornalista, deixando de lado o falso glamour, não é fácil. Ainda mais para aqueles que são patrões de si mesmos não pela decisão própria de empreender e criar um veículo ou uma assessoria, por exemplo, mas porque foram empurrados para isso.

Não vou discutir as razões que levam à dispensa de colegas de profissão — os motivos vão desde a justa necessidade de sobrevivência do próprio veículo (fazer bom jornalismo é caro ainda mais em um momento em que o modelo de negócios do jornalismo está em crise e que muitos leitores acham que não vale a pena pagar por informação) à má gestão. Nenhum empresário do jornalismo gosta de demitir, porque força de trabalho gera riqueza. Para não ser leviano, os problemas de cada empresa ou organização precisam ser analisados caso a caso.

A questão é como o jornalista se comporta diante da natureza do próprio trabalho.

Eu já trouxe esses argumentos aqui anteriormente, mas achei por bem revisitá-los. Nos últimos anos, presenciamos em São Paulo, Brasília e em outras cidades mobilizações de jornalistas por reajustes que, pelo menos, compensassem a inflação ou trouxessem algum ganho real. Houve engajamento de jovens repórteres e vitórias importantes. Isso lembra que se reconhecer como trabalhador, mobilizar-se e reivindicar ainda funciona.

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Muita gente boa defende que os trabalhadores têm capacidade de negociar individualmente com o empregador. Alguns realmente têm, seja porque oferecem um diferencial, seja porque a empresa conta com uma boa política nesse sentido. Mas e a massa restante? Para ela, a ação coletiva se faz necessária.

Ao esquecer que é trabalhador, o jornalista assume o papel de quem acha que reajuste salarial surge de geração espontânea, da vontade de Deus ou, pior, de uma concessão bondosa da alma patronal. É uma crença em uma mão invisível da justiça social. O que, para pessoas que são pagas para questionarem a realidade, é um erro crasso.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL