Nunes crê em ultradireita democrática. E em Papai Noel e Coelho da Páscoa?
O crescimento da ultradireita vem erodindo princípios democráticos ao redor do mundo e levando à ascensão de políticos autocráticos, racistas e fascistas, com um discurso que atrai muitos jovens, o que é um desafio a partidos de esquerda, centro e direita. Mesmo assim, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou no programa de entrevistas Alt Tabet, do UOL, que aceita o apoio da ultradireita desde que ela defenda a democracia.
Considerando que os fundamentos desse grupo passam pelo atropelamento das garantias e proteções de minorias em direitos e pela substituição do respeito às instituições pela fé em líderes de massa como base de um governo, o que ele propõe é semelhante a dizer que aceita mergulhar pelado no mar desde que não se molhe.
Nunes não é de ultradireita. Mas costura o apoio do bolsonarismo à sua campanha pela reeleição - o seu principal adversário, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), é apadrinhado pelo presidente Lula. (PT). Quer os votos que podem ser transferidos por Jair Bolsonaro (PL), mas não sua rejeição na capital - 61% não votariam nem que a vaca tussa em um nome do ex-presidente, segundo o Datafolha.
Nunes se reuniu, no mês passado, com Matteo Salvini, líder da ultradireita italiana, sem divulgar o encontro em sua agenda. Segundo o prefeito, isso ocorreu porque acompanhou o deputado estadual Tomé Abduch (Republicanos) em uma reunião com Salvini, que é vice-primeiro-ministro.
Na entrevista a Antonio Tabet, o prefeito disse que "apoio é algo importante desde que não coloque em riscos os seus valores e princípios". Abraçar a ultradireita, contudo, é exatamente isso.
Neste momento, ele busca o apoio de uma pessoa e um grupo que vêm sendo investigado pela Polícia Federal por atentar contra o Estado democrático de direito, planejando um golpe após perder as eleições de 2022. Um grupo cujos seguidores atacaram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal no atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Esse grupo difundiu mentiras e tentou minar o sistema eleitoral, um dos pilares de qualquer regime democrático - seu líder, Jair, foi condenado no Tribunal Superior Eleitoral e se tornou inelegível por causa disso, inclusive.
O problema é que, com o passar o tempo, muita gente vai esquecendo o que houve, até normalizando. O esquecimento deliberado é, em si, uma ação contra a própria democracia.
No Brasil, durante os últimos anos, as liberdades constitucionais foram evocadas por grupos de ultradireita como justificativa para atacar o sistema eleitoral e, portanto, a própria democracia. Por estarem em uma democracia, defendiam ser livres para atacar a própria democracia.
Basicamente apelavam para o "paradoxo da tolerância". Se uma sociedade tolerante aceita a intolerância como parte da liberdade de expressão ela pode vir a ser destruída pelos intolerantes. Mas, como analisou o filósofo Karl Popper, a liberdade irrestrita leva ao fim da liberdade da mesma forma que a tolerância irrestrita pode levar ao fim da tolerância.
Nunes não gosta de Bolsonaro, e sabe que ele tem um piso, mas tem um teto na capital. Busca ficar mais próximo do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), com melhor imagem e avaliação, apesar de ter sido eleito com a ajuda de Jair. Mas, no final do dia, precisa de Bolsonaro, porque ele é um enorme cabo eleitoral.
Isso gera cenas de complicadas. A resposta dada a Antonio Tabet soma-se a outras situações de constrangimento explícito envolvendo o prefeito e a ultradireita, como naquela em que ele defendeu que Jair "700 mil mortos" Bolsonaro foi um bom gestor da pandemia de covid-19.
Acreditar na possibilidade de ultradireita democrática, com o histórico de Viktor Orbán, Donald Trump, do Alternativa para a Alemanha (expulso do grupo da ultradireita no Parlamento Europeu pelo medo dos demais partidos de que o posicionamento simpático ao nazismo pudesse atrapalhar as eleições), entre outros, é semelhante a acreditar em Papai Noel e no Coelho da Páscoa.
Pelo menos, Noel e o Coelho são seres fictícios usados, no máximo, para explorar o consumismo, não sendo símbolos da destruição da diferença.