Leonardo Sakamoto

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Opinião

'Ministro do Hipismo' apagou Rebeca - sim, desta vez, Bolsonaro teve razão

O Ministério das Comunicações fez uma barbeiragem tão tosca em comunicação que me fez dar razão a uma crítica feita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais.

Explico: o órgão, chefiado por Juscelino Filho, editou a icônica imagem em que as norte-americanas Simone Biles e Jordan Chiles, segunda e terceira na prova de solo da ginástica artística, reverenciam Rebeca Andrade, que levou o ouro. O ministério retirou a brasileira e colocou a ilustração de um computador (parte de uma campanha de inclusão digital) no lugar. A patacoada foi revelada por Matheus Leitão, da revista Veja.

Não se sabe quem teve a ideia de jerico de sacar fora a imagem de uma mulher negra que se tornou nossa principal medalhista olímpica e é, neste momento, um dos nomes mais falados em todo o mundo, e colocar um desenho mal feito no lugar. Independente disso, a situação indica que a comunicação não é o forte do Ministério das Comunicações.

A edição gerou indignação nas redes e Bolsonaro aproveitou para tirar uma casquinha ao afirmar que "o Ministério das Comunicações do Lula retira Rebeca Andrade de sua foto histórica em 1º lugar no pódio das Olimpíadas e troca por um computador em publicação no Instagram". Tá errado? Num tá.

Campanha desastrada do Ministério das Comunicações apaga Rebeca Andrade
Campanha desastrada do Ministério das Comunicações apaga Rebeca Andrade Imagem: Reprodução

Posteriormente, o governo tirou a publicação do ar e postou um pedido de desculpas:

"O Ministério das Comunicações reconhece que a postagem não foi adequada e deu margem para interpretações que não condizem com o sentimento e trabalho do governo federal, nem com a grandeza desta conquista histórica de Rebeca Andrade. Por isso, pedimos sinceras desculpas à atleta e a todos os brasileiros e brasileiras pela postagem, especialmente às mulheres pretas, que estão tão bem representadas no pódio de Rebeca Andrade", diz uma nota.

Segundo o ministério, a legenda da imagem original afirmava que a pasta reverencia Rebeca e tem ela como inspiração. E, portanto, uma nova publicação foi feita para explicitar isso.

A assessoria afirma que o ministro não teve nada a ver com a história. Mas não adianta tirar o corpo fora: a culpa pode ter sido do estagiário, mas a responsabilidade pela pasta é dele. E o que a pasta fez para contribuir com a caminhada de Rebeca para usar a imagem daquele jeito? Nada, claro.

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Juscelino Filho, contudo, nem deve ter percebido, entretido com as provas de hipismo.

Especialista em cavalos, não em comunicações, Juscelino Filho foi nomeado jóquei da pasta a fim de garantir que o União Brasil viesse para a base do governo Lula. Mesmo assim, o partido foi proporcionalmente menos fiel em votações do que o PP e o Republicanos, que só depois ganharam direito a CEP próprio na Esplanada dos Ministérios.

Ele já foi acusado de esconder milhões em cavalos de sua declaração eleitoral, mandar asfaltar a estrada que corta o próprio haras com grana do orçamento secreto, usar um avião da FAB para visitar leilões de cavalos e empregar como assessora a irmã do sócio do haras de sua família.

Foi indiciado pela Polícia Federal por suspeita dos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção passiva, falsidade ideológica e fraude em licitação. Ele integraria um bando que desviou recursos de obras de pavimentação, com grana pública da Codevasf.

Reportagem da Folha de S.Paulo, de novembro do ano passado, mostrou que Juscelino estabeleceu uma relação criminosa com o dono de uma empreiteira investigada sob suspeita de desvios em contratos da autarquia controlada pelo centrão quando ocupava o cargo de deputado federal no governo Bolsonaro. Em documento enviado ao STF, a PF afirma que o grupo do ministro foi responsável por "suposto desvio ou apropriação e uso indevido de, no mínimo, R$ 835,8 mil". Uns dirão que é pouco, mas a cavalo dado não se olha os dentes.

O dinheiro teria sido usado também em obras que beneficiaram suas propriedades ou ido diretamente para o seu bolso, segundo as investigações. Mas não só: em conversas entre ele e o dono da Construservice, Eduardo DP, obtidas pela PF, o então deputado indicou nomes, contas e empresas para quem depósitos deveriam ser feitos. A empresa recebeu emendas via Codevasf. Os escândalos envolvendo emendas do orçamento e Juscelino vem sendo reveladas pelo jornal o Estado de S.Paulo, desde o início de 2023, e as sacanagens da Codevasf pela Folha, em 2022.

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Essa última presepada pode parecer boba, mas faz sentido considerando que a pasta não tem objetivo técnico.

O Ministério das Comunicações, por décadas, distribuiu concessões de rádio e TV a políticos, grupos religiosos e empresários não em atendimento ao interesse público, mas às necessidades dos governos de plantão para conquistarem apoio. Isso consolidou um cabresto eletrônico, em que políticos usam esses veículos para se perpetuar no poder e grupos religiosos, para ampliar seu rebanho. Com o atual ministro, há indícios de que tudo segue igual.

Lula poderia nem ter tido mais essa dor de cabeça se o MiniCom estivesse em mãos adequadas. Em nome da governabilidade, contudo, manteve o ministro do Hipismo, mesmo diante do indiciamento por corrupção.

Vale lembrar que, como parlamentar, sua grande contribuição foi tentar a aprovação do Dia do Cavalo — mas nem isso ele conseguiu.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL