Letícia Casado

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Ex-chefe do Exército diz que minuta golpista teve versão com novas eleições

Em depoimento à Polícia Federal, o ex-comandante do Exército Freire Gomes admitiu ter participado de reuniões com o então presidente, Jair Bolsonaro, no Palácio do Alvorada, depois do segundo turno das eleições, em que viu mais de uma versão da minuta golpista.

Em 7 de dezembro de 2022, ele aponta que o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, apresentou aos três comandantes das Forças Armadas uma minuta golpista "que era mais abrangente do que a apresentada pelo então presidente Jair Bolsonaro". "Mas da mesma forma decretava o Estado de Defesa e instituía a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para 'apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral'", afirmou em depoimento.

De acordo com o general, Bolsonaro disse aos presentes que o documento estava em estudo e depois reportaria a evolução aos comandantes.

Ele diz que antes havia sido compartilhada uma proposta de decretação de Estado de Defesa e realização de novas eleições. Mas o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro, disse que havia sido "resumido o decreto". "Aqueles considerandos que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais, é, resumido, né", disse o tenente-coronel.

Freire Gomes afirmou que se colocou contra as medidas do documento, assim como o então chefe da Aeronáutica, general Baptista Junior, "porque não teria o suporte jurídico para tomar qualquer atitude".

O documento que estabeleceria o estado de sítio e a GLO no Brasil consta no seu depoimento. Diz ao final: "Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem".

Documento ignora regra do TSE

O decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) que estava em poder de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), e foi apreendido pela Polícia Federal, trazia como "fundamento jurídico" para intervenção a relação entre o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes.

Moraes foi indicado para o STF (Supremo Tribunal Federal) em 2017 pelo então presidente, Michel Temer (MDB). A presidência do TSE obedece a uma ordem de rotatividade entre os ministros do Supremo que ocupam as vagas na Corte eleitoral.

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Portanto, não há uma escolha a ser feita para a presidência do TSE de acordo com o ano eleitoral. Moraes passou a integrar o tribunal em abril de 2017 e assumiu a presidência em agosto de 2022. Na época, Alckmin era candidato a vice na chapa de Lula (PT).

Como governador de São Paulo, Alckmin nomeou Moraes para cargos como secretário de Segurança Pública, secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania e presidente da antiga Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor).

O texto trata sobre o que seriam os conceitos de segurança jurídica, liberdade e princípio da moralidade na visão dos bolsonaristas. E então levanta suspeição acerca do fato de Moraes conduzir o TSE naquele ano.

"As normas legítimas autorizando a atuação de juízes suspeitos (nestas eleições, o Ministro Alexandre de Moraes nunca poderia ter presidido o TSE, uma vez que ele e Geraldo Alckimin [sic] possuem vínculos de longa data, como todos sabem)", diz o texto.

O material inclui também itens que já haviam sido debatidos pelo Judiciário, como ações classificadas pelo grupo como censura — ações que a Justiça brasileira considerou propagação de fake news e discurso de ódio; uma denúncia não comprovada de falta de inserções do PL na propaganda eleitoral; questionamentos acerca da urna eletrônica; e decisões do STF.

UOL antecipou trechos da delação de Cid

O depoimento de Freire Gomes consta do inquérito das milícias digitais, que apura a tentativa de golpe orquestrada por Bolsonaro e aliados no final de 2022 com o objetivo de impedir a posse de Lula, eleito em outubro daquele ano.

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Em setembro do ano passado, o UOL já havia revelado que Mauro Cid havia narrado à PF, no âmbito de seu acordo de colaboração, que Bolsonaro consultou os comandantes das Forças Armadas sobre um plano de golpe de estado, após perder as eleições de 2022. Naquele conjunto de depoimentos, Cid afirmou que os comandantes da Aeronáutica e do Exército se opuseram à trama.

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